Cumplicidade feminina no jiu-jitsu: contra a rivalidade e o machismo

Primeiro, vamos deixar algo muito claro aqui: Feminismo não é o contrário de machismo. O machismo diminui as mulheres, bota os homens em posição superior. O feminismo busca igualdade para todos, algo que já deveria existir naturalmente e que, infelizmente, ainda está distante para nós. Então, não tenha medo de dizer a palavra “feminista”, ela não é nenhum bicho de sete cabeças e imagino que todos defendam a igualdade de gênero, não é? Ou pelo menos deveriam. Se você ainda acha que feminismo é ‘mimimi’ (apenas pare…), dê uma lida nesse texto da EBC com diversos dados e informações, inclusive que o Brasil é o 5º país (entre 83) que mata mais mulheres.

Não poderia falar desse assunto sem citar esse texto da Aline Valek, publicado na Carta Capital.

“Foi isso que nos ensinaram: que não poderíamos confiar umas nas outras. Cochicharam em nossos ouvidos que mulher é tudo falsa. Ensinaram a lição e mostramos que aprendemos quando dizemos que “mulher trabalhando junta não presta”, ou quando nos orgulhamos ao dizer “não tenho amigas mulheres”, ou quando odiamos aquela garota sem motivo algum”.

Também dizem que amizade de mulher não é igual a de homem, que nós não conseguimos ser verdadeiras amigas, sem intrigas ou algo do tipo. É comum as próprias mulheres terem esses pensamentos. Certas coisas são internalizadas de uma maneira que podem sair sem que a gente perceba, então, essas situações podem acontecer sim, mas não é por isso que elas devem ser valorizadas e potencializadas (principalmente por homens).

Se a todo momento somos estimuladas a competir umas com as outras, imagina no tatame? Ainda mais que os homens adoram ver e estimular briga de mulher. O treino entre duas meninas vai pegar fogo porque uma quer aparecer mais que a outra? Isso simplesmente tem que acabar. Primeiro pelo fato delas serem da mesma equipe. Ninguém é obrigado a ser melhor amigo do companheiro de treino, mas se a pessoa faz parte do seu time, ela nunca deve ser sua rival. Os treinos femininos devem chamar atenção pela movimentação, explosão e técnica que as mulheres têm, e pela vontade de proporcionar treino forte uma para a outra.

Ainda hoje, nosso esporte é extremamente masculinizado. Porém, o jiu-jitsu feminino está explodindo e ganhando cada vez mais prestígio. Para esse crescimento continuar e aumentar, precisamos nos unir. Só a sua companheira de treino vai te entender quando aquele cara fez força demais treinando contigo, só ela vai saber como é treinar menstruada, ou com TPM, como é ter que se dedicar muito mais para apurar sua técnica e não deixar que a força faça tanta diferença e em época de campeonato, vocês serão o treino perfeito uma para a outra.

Por conta do hábito da sociedade em colocar duas mulheres em disputa (que cria um hábito na própria pessoa), pode ser comum que uma menina olhe estranho para a novata, como a Mayara Munhos falou muito bem aqui. Afinal, todos os meninos falam tanto que você é casca grossa, você tem uma relação tão boa com eles, não sobra espaço para outra menina, não é verdade? Não. Pode ter certeza que uma mulher em sua primeira aula de jiu-jitsu vai se sentir muito mais segura se tiver outra menina no tatame, todas nós já passamos por isso. Inclusive pelo fato de muitas se sentirem desconfortáveis em fazer aulas mistas e preferirem turmas femininas.

A jornalista Babi Souza, autora do livro Vamos juntas? – O guia da sororidade para todas, já comentou que “a rivalidade entre as mulheres é algo tão enraizado, que não se nota. Sinto que estamos perdendo tempo em alimentar esse tipo de sentimento, sendo que, juntas, somos mais fortes. O que ocorre, na prática, é que nós mesmas nos boicotamos”. No prefácio do livro, a filósofa Marcia Tiburi disse que “muita gente foi ensinada a acreditar no mito da rivalidade feminina. Trata-se de um mito próprio da ideologia da dominação masculina”. Esse sentimento é tão enraizado, que acabamos não percebendo, tomando para nós e o reproduzindo.

Falando de experiências pessoais, me fez muito bem entrar para a equipe do BJJ Girls Mag e me sentir tão contemplada com mulheres de diversos lugares e equipes diferentes. E ver também homens que entendem nossa causa e nos apoiam. Para nós, o crescimento do jiu-jitsu é o mais importante. Eu sempre falo para as meninas que treinam comigo da importância de termos uma relação boa com as parceiras de treino e tenho uma satisfação enorme em ter isso com elas. Treino junto com meu namorado, tenho vários amigos homens no tatame, mas tenho a confiança que são elas quem vão entender meus dilemas como ninguém.

Aos homens que insistem em achar que uma brincadeirinha não faz mal: amigo, você é machista. A mais “inocente” das piadas fortalece os estereótipos sobre as mulheres e diminui nossa força. Então pare com as brincadeirinhas e apoie de verdade a igualdade. Quando treinamos duro, não é “que nem homem”, nossa pegada não ter que ser de macho, quando não estamos bem, não é porque somos “mulherzinhas”. Muita gente fala isso e se você for uma delas, então está na hora de parar. Treinamos que nem mulher mesmo e desse jeito que sempre tem que ser, pois somos mulheres e não precisamos da comparação com homens para mostrar nossa capacidade.

A palavra-chave é cumplicidade. Ninguém mais vai brigar tanto pelo crescimento do jiu-jitsu feminino quanto nós, portanto, abrace sua companheira de treino, estimule mais meninas a conhecer a arte suave, deixe o senso comum e o ego de lado e descubra o potencial da união. E bote uma coisa na sua cabeça: ser mulher é ser determinada, capaz e casca grossa. Não deixe o machismo falar que somos rivais, se juntas podemos ser muito mais fortes.

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