Jiu Jitsu de competição, um golpe no tradicionalismo?

Você sai todos os dias para aquele treino que já faz parte da sua rotina como o próprio ato de respirar. Na academia você treina com pessoas comprometidas e dedicadas que, como você, carregam motivos distintos que as levaram até o Jiu Jitsu, como o gostar de artes marciais, a manutenção da saúde e da qualidade de vida, os inegáveis benefícios físicos e mentais e, entre tantos outros ou todos eles juntos, o simples desejo de estar ali sem qualquer motivo aparente. Este artigo tem por objetivo fazer você pensar sobre qual o Jiu Jitsu você pratica na sua academia. Achou a questão esquisita? Continue lendo e lá no fim a gente conversa.

Para os que já estão há muito tempo nesta estrada, ou melhor, nestes tatames, não é raro ver referências à “velha escola” (old school) do Jiu Jitsu, mas, para os recém chegados este termo pode ser uma grande novidade. Pois bem, o termo nada mais é do que uma referência ao passado, mais especificamente ao tempo em que o Jiu Jitsu começou no Brasil e criou ícones que mais tarde dariam origem ao que se pratica hoje pelos tatames do mundo todo. Porém, é urgente que se compreenda que há uma diferença entre o Jiu Jitsu Tradicional, vindo do Japão, e o que hoje entendemos como “Jiu Jitsu de competição”, isto se olharmos sob a ótica da Família Gracie, que, até que se prove o contrário, é considerada a responsável por popularizar a modalidade no Brasil.

Em artigo da revista GracieMag de 23 de julho de 2010, durante um seminário no Rio de Janeiro, Rickson Gracie fez a seguinte declaração:

“O Jiu-Jitsu de competição representa apenas 30% do Jiu-Jitsu real. Sem os demais 70%, que incluem defesa pessoal em pé, defesa de socos, técnicas de clinche e guarda para vale-tudo, o praticante não desenvolve integralmente a confiança para andar tranquilamente nas ruas, certo de que pode sobreviver a qualquer eventual confronto”.

Ainda nesta linha de raciocínio, em entrevista ao Canal SporTv em 04 de abril de 2015, Royce Gracie declarou:

“[…] Marcar ponto? Na rua não tem ponto. O pessoal campeão mundial de jiu-jítsu, todo mundo ganha de ponto, de vantagem, como for, mas não sabe sair de uma gravata. Não sabe se defender se o cara mandar um soco na cara. Meu pai sempre foi contra competição”.

Para quem conhece a história do Jiu Jitsu sabe que a sua essência é focada na defesa pessoal e o grande objetivo da Família Gracie era provar a supremacia da Arte Suave sobre todas as outras formas de arte marcial. Para tanto, Royce, junto com seu irmão Rorion, criaram o Ultimate Fighting Championship (UFC) em meados dos anos de 1990, cujas lutas eram casadas e consistiam no Jiu Jitsu contra todas as outras artes marciais, bem diferente do que vemos hoje no atual UFC, onde todos os lutadores são divididos por categoria de peso e precisam dominar pelo menos três modalidades de luta.

Hélio Gracie, um dos irmãos de Carlos Gracie que absorveu o Jiu Jitsu Tradicional e o adaptou até compor o Brazilian Jiu Jitsu (BJJ) sempre se colocou contra as competições e prova disso está na página da Academia Gracie na Internet (academiagracie.com.br), onde consta o seguinte texto do Mestre:

“O Jiu Jitsu que criei foi para dar chance aos mais fracos enfrentarem os mais pesados e fortes. E fez tanto sucesso, que resolveram fazer um Jiu Jitsu de competição. Gostaria de deixar claro que sou a favor da prática esportiva e da preparação técnica de qualquer atleta, seja qual for sua especialidade. Além de boa alimentação, controle sexual e da abstenção de hábitos prejudiciais à saúde. O problema consiste na criação de um Jiu Jitsu competitivo com regras, tempo inadequado e que privilegia os mais treinados, fortes e pesados. O objetivo do Jiu Jitsu é, principalmente, beneficiar os mais fracos, que não tendo dotes físicos são inferiorizados. O meu Jiu Jitsu é uma arte de autodefesa que não aceita certos regulamentos e tempo determinado. Essas são as razões pelas quais não posso, com minha presença, apoiar espetáculos, cujo efeito retrata um anti Jiu Jitsu”.

Bem, como pudemos perceber, as declarações dos membros da Família Gracie trazem à tona dúvidas sobre o que realmente estamos aprendendo nas academias, já que, de acordo com Rickson e Royce nós não praticamos o Jiu Jitsu Tradicional e Hélio foi enfático ao dizer que também não é o Brazilian Jiu Jitsu que ele criou.

Analisando as afirmativas, não há equívocos no que fora mencionado, e se formos comparar a realidade atual, o Jiu Jitsu vem sim perdendo o caráter de defesa pessoal e finalizador que a sua essência nos apresentava, e, neste caso, sobretudo por causa do próprio sistema de regras que privilegia a pontuação.

Só para comparar, na “velha escola” era crime inafiançável o atleta não buscar a finalização como forma de mostrar que realmente sabia como chegar nela, e, trazendo para o presente, não é raro nos deparamos com os campeões mundiais nas vantagens ou por pontos, uma recorrência que corrobora com o mencionado por Royce Gracie e que põe em cheque a dinâmica e objetividade do Jiu Jitsu “velha escola” como um todo. Por fim, não é rotina ver professores ensinando técnicas de defesa pessoal nas academias e, se existem, são minoria e talvez remanescentes da “velha escola” que ainda ministram aulas “à moda antiga”.

Já que entendemos, pelas colocações acima, que o que se pratica hoje não se trata do Jiu Jitsu Tradicional, ensinado por Conde Koma aos primeiros Gracie ainda em Belém do Pará e nem do Brazilian Jiu Jitsu adaptado por Hélio Gracie, como então devemos chamar essa modalidade que praticamos hoje? Será o tal “Jiu Jitsu de competição” e, se assim for, será que foi declarada a morte do Jiu Jitsu Tradicional e do BJJ em detrimento desse novo Jiu Jitsu?

Bem, o espaço ficará aberto para o debate sobre qual tipo de Jiu Jitsu se pratica hoje nas academias. Quero apenas deixar claro que este humilde ser que vos escreve não tem por objetivo criar polêmicas, tampouco afirmar qual Jiu Jitsu é o certo ou o errado ou o melhor.

O objetivo aqui é somente levar cada um que ler este artigo, praticante ou não, a conjecturar sobre tais questões, mas, sobretudo, enxergar o Jiu Jitsu como uma Arte em constante mutação, como a que fez Helio Gracie ao criar o BJJ a partir do Jiu Jitsu Tradicional.

Divirtam-se!

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