O jiu-jitsu feminino: do “não” à finalização

Artes marciais não são para meninas, diziam os pais, maridos, irmãos que não por acaso tinham medo de que suas filhas, irmãs e esposas aprendessem a se defender. Se pararmos para pensar existe (ainda hoje é assim) uma dose cavalar de receio nessa proibição, afinal, qual homem quer ter a sua histórica dominação ameaçada uma mulher, este ser que passou boa parte das eras sendo moldada para ser mãe e esposa e sem o direito de se negar a este destino?

Os fatos históricos que compõem essa linha do tempo do jiu-jitsu feminino no Brasil ainda estão longe de parecer uma luz no fim do túnel das dificuldades. Ainda há o preconceito e a interferência do ego masculino ditando a conduta de muita gente, inclusive de outras mulheres que não enxergam na companheira de treino ou na adversária de competição alguém que corrobore com o seu crescimento, mas como uma inimiga que está ali para ser dominada e subjugada a qualquer custo. Infelizmente esse tipo de conduta é mais comum do que parece, mas sem dúvida é um pingo no oceano se comparado com outras questões que afastam as meninas dos tatames.

Yvone Duarte, a primeira mulher a ser graduada faixa preta no Brasil, deixa este depoimento publicado no site do Canal Combate, de 08 de março de 2017:

“Quando comecei no jiu-jitsu, lutava em uma academia, no Rio de Janeiro, que tinha um grupo de mulheres, mas fui a única que chegou à faixa preta. Ser mulher na América Latina implica em acúmulos. Ser mãe, trabalhar, eu ainda tinha o jiu-jitsu… Acho que minhas colegas de academia não conseguiram a faixa preta por causa dessa cobrança da sociedade brasileira. Nossa primeira competição foi em 1985, depois que conversei com o Rickson Gracie, que levou o pedido para o Helio. Não digo que foi difícil, mas precisamos explicar. Ainda há um resquício de machismo na sociedade, e isso também aparece no jiu-jitsu. As equipes de meninas ainda são muito menores se comparadas às masculinas. Nós, mulheres, temos que lutar no tatame, mas temos outras lutas fora, como a luta contra o preconceito. O machismo está presente em todos os esportes, incluindo o jiu-jitsu – afirma.”

São muitas as dificuldades enfrentadas pelas mulheres nas artes marciais e uma das consequências dessas dificuldades se reflete nas competições, uma questão bastante debatida entre o público feminino e que se resume numa sequência que não favorece as que treinam tanto quanto os homens, pois poucas meninas treinando significa menos mulheres competindo, que leva a poucas categorias femininas, que deixa muitas sem luta e consequentemente leva às menores premiações (pois quando se trata de dinheiro é a proporcionalidade que dita). Fora isso, ainda há os pormenores de superação de força física para quem só treina com homens, algumas são mães, esposas, filhas de pais que não entendem o jiu-jitsu e por isso não apoiam. E a lista não tem fim.

E para aqueles que ainda não se deram ao trabalho de evoluir como seres humanos e que fazem questão de manter a cultura machista dentro do tatame (inclusive algumas mulheres), façamos o favor de ignorá-los e passemos a mirar na disseminação de atitudes que busquem amenizar tantos pontos negativos que atentam contra a entrada e manutenção das mulheres no jiu-jitsu e em outras artes marciais. Lembrando que é a união das próprias mulheres que ajudará neste processo de continuidade do que foi iniciado pelas nossas precursoras das artes marciais. Vamos lá.

Mulheres (re)unidas: juntar as meninas da sua cidade para um treino coletivo e periódico ajuda na divulgação do jiu-jitsu. Treinar com homens é bom, mas nem sempre eles têm o mesmo peso, a força proporcional, a elasticidade e a agilidade de uma mulher. E se o treino feminino tiver boa divulgação quem sabe pode até puxar apoiadores, patrocinadores, a imprensa e, lógico, mais praticantes.

A outra menina não é sua inimiga: tudo que é demais enjoa e você já percebeu que a fórmula de odiar a colega de tatame ou de competição não funciona. Então tome uma atitude, abra a sua mente para o aprendizado, seja humilde nas vitórias e aprenda nas derrotas. Este é o segredo.

Faça campanhas: você tem rede social, use-a para convidar as colegas para treinar, fale para elas sobre os benefícios do jiu-jitsu, mostre artigos, revistas, sites sobre o assunto. Chame para uma aula experimental na sua academia, empreste um kimono pra ela sentir como funciona. Conte pra ela como foi com você e por que você ainda está treinando.

Valorize e respeite as mais graduadas: se você está no grande rol de meninas que passam por muitas dificuldade para se manter no jiu-jitsu, imagine uma que está há mais tempo. Aproveite o treino com as mais graduadas para aprender, tirar dúvidas, treinar sério e observar bastante.

– Treino não é coisa de gênero: sim, meninas podem e devem ter o mesmo tratamento dos meninos na hora do treino. Nada de fazer corpo mole e usar o fato de ser mulher para justificar a sua falta de vontade de se esforçar e se você achar que o colega está facilitando o treino por você ser mulher, então treine como uma mulher e mostre pra ele como é que se faz. Não há nada no treino de jiu-jitsu que uma mulher não possa fazer, desde que esteja saudável.

Não é fácil mudar as mentalidades, mas também não devemos ser injustas, pois alguns meninos já absorveram muito dessa importância de se ter mulheres nos tatames e assim eles treinam com elas de igual pra igual, apoiam, ensinam e aprendem. E assim, com pequenas e nobres atitudes a gente deseja que as mulheres do jiu-jitsu venham cada vez mais, unam-se e permaneçam.

Por fim, é digno agradecer às nossas colegas do passado que não se acomodaram e seguiram em frente para nos deixar esse legado de superação e persistência. E se hoje, apesar de ainda sermos minoria, estamos ocupando cada vez mais os espaços das academias e nos fazendo presentes entre eles, devemos muito àquelas pioneiras. E que a força e a técnica estejam sempre com vocês.

 

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