Quando o patrocínio vira caso de assédio

Esta semana recebi uma mensagem de uma moça querendo falar sobre sua experiência de procurar patrocínio. Pelo tom de sua mensagem, ela estava bem cansada de procurar alguma marca ou alguém que leve a sério pelo tanto que  treina e se esforça, pois, ao invés disso, só encontrava pessoas dispostas a repararem nas curvas do seu corpo.

Segundo ela, não foi uma nem duas vezes, mas várias e isso parece ser bem comum na região onde mora. Não aconteceu só com ela, mas também com colegas de treino e outras amigas. É triste saber que esse tipo de coisa ainda existe, e que por mais que estejamos num esporte em que se prega o respeito e a disciplina, ainda existam homens que agem dessa forma desrespeitosa.

Por outro lado não é novidade que esse tipo de coisa ainda ocorra em diversos lugares – quantas vezes você já ouviu alguém comentando que fulana conseguiu determinada promoção porque passou uma noite com o chefe mesmo que isso nem tenha ocorrido? Baseado em experiências anteriores, as pessoas, geralmente, não julgam que as mulheres podem conseguir algo sem usar de artifícios sexuais, mas apenas com seu esforço e trabalho. Isso, no entanto, mesmo que deixe de ser uma realidade, o imaginário popular ainda reforça essas ideias. E, o pior: apenas quando se trata de mulheres. Quem reforça essa ideia pressupõe que o critério para atingir determinada posição é sempre o uso do corpo e não das habilidades intelectuais ou esportivas daquelas mulheres. É uma cultura muito enraizada e ensinada para a nossa geração, que precisa E MUITO ser desconstruída.

Seguem os depoimentos de algumas moças entrevistadas, lembrando que suas identidades e as dos agressores ficam em anônimo (lembrando que a identidade deles fica em anônimo somente para proteger as moças, que têm medo de que algo aconteça a elas).

“Teve um empresário que conheci em uma academia onde eu trabalhava que quis me patrocinar pra minha ida ao Rio de Janeiro, onde ele comprou minha passagem saindo de Salvador… e eu fui com ele de carro até Salvador, para de lá ir para o RJ. Mas chegando em Salvador eu não sabia das intenções dele… e ele me colocou para dormir no mesmo quarto com ele… na mesma cama onde ele tentou me assediar. Ele quis me assediar, mas eu cortei, logo dizendo que eu estava atrás de um empresário que me tratasse como atleta e não com segundas intenções. Só me livrei no outro dia mesmo que fui pegar o vôo, e ele não forçou a barra. Ele até falou que iria me patrocinar sempre… mas depois que viu que eu não quis nada com ele, nunca mais entrou em contato comigo. E os outros assédios são do tipo… “te dou patrocínio se você sair comigo”. Ou depois que você voltar, vamos marcar algo. E já cansei, sabe? Agora eu mesma compro passagem no cartão de algum amigo e fico pagando como posso… ou prefiro não ir competir.”

Ela, no entanto, não foi a única, Luiza*, faixa azul, sua amiga de treino, também passou por uma situação parecida:

“Como todas os atletas (homens e mulheres) precisam de apoio, comigo não é diferente, então resolvi pedir apoio a um amigo da minha família que tinha sido eleito em minha cidade, ele me ajudou por 1 ano me respeitando, até que em um dia ele estava na porta de onde estudava, achei estranho mas como a cidade que moro nao é tão grande tudo bem, falei com ele normalmente como sempre e ele ficou me entregar o dinheiro da inscrição de um campeonato, ele perguntou pra onde eu estava indo e eu disse que estava indo pra casa, ele disse que também então me ofereceu uma carona. Ele sempre dava carona a muita gente então aceitei, e antes de chegar próximo a minha casa vi que ele estava desviando a rota e começou a falar que eu poderia ganhar mais do que R$100,00 (o valor da inscrição). Fui bem grossa disse que só queria a inscrição mesmo, e disse pra seguir a rota normal ou eu iria gritar e descer do carro… ele voltou a seguir o caminho certo, pediu desculpa e disse que iria continuar me apoiando no esporte, mas  eu não quis. Não falei nada a ninguém, pois ele tem uma família e talvez eu fosse sair como a errada e estragar uma família inteira.”

Percebem o quanto elas têm medo? Mais do que isso, elas sentem vergonha… Percebem o quanto é prejudicial se calar? Entendo que existem mesmo os riscos, mas se posso dizer algo para quem já passou por isso é: não se sujeitem jamais. Ninguém tem culpa por ser assediada, não tem nada de errado em solicitar um auxílio para seguir a vida de atleta, muitas pessoas fazem isso. Ficarmos caladas faz com que isso perdure e continue acontecendo. Mudar isso é fazer um tipo de revolução sociocultural, ninguém muda do dia para a noite, nós precisamos fazer nossa parte.

Sei da dificuldade que é ter patrocínio, mas existem outras alternativas, como rifas, festas para arrecadar fundos, seminários (peça para aquele seu professor). Mas não se sujeitem a essas pessoas. Vocês valem bem mais do que isso!

Assédio é crime previsto em lei, está no artigo 261-A do Código Penal inserido pela Lei nº. 10.224 /01 que tipifica a conduta de “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. Essa informação, por si só pode ser uma forma de coibir esse tipo de assédio, quando se sentir ameaçada, lembre ao seu agressor que você conhece seus direitos e que reconhecem naquela ação um crime com punição prevista na lei. E, mais importante: DENUNCIE.

Leia também: Assédio nos tatames

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