Talvez seja difícil dizer o motivo pelo qual desenvolvemos certas técnicas com exatidão em um determinado momento, mas em outros não. O escritor e professor italiano Leo Buscaglia, responsável por diversas reflexões sobre o ser humano, dizia que “toda aprendizagem é boa, contanto que você aprenda”, portanto, a prática do jiu-jitsu deve estar intimamente ligada ao que se conhece como memória motora.
Esta não deve ser confundida com a memória muscular, que é a capacidade do músculo de produzir movimentos do esporte anteriormente praticado. O objetivo deste texto, portanto, não é focar na hipertrofia ou no processo para recuperação do condicionamento físico (este último renderia uma boa discussão, já que lesões e afastamentos do tatame são tão comuns a nós, atletas), mas levar o leitor a uma clareza a respeito das etapas de ensino-aprendizagem-treinamento da arte suave. Quando bem observada, trabalhará a nosso favor e ajudará em nossa evolução corporal.
Neste processo, há diversas técnicas com diferentes graus de eficácia de resultados, como veremos a seguir. E quando se trata de treinar lutas marciais, como qualquer outro esporte, o assunto se torna complexo pela necessidade de conexão entre a tomada de decisão e nossas respostas motoras durante um momento de combate.
A memória associativa, armazenada no cerebelo, é a grande responsável pelo êxito na dinâmica do jiu-jitsu. Através de repetições constantes, um golpe ou defesa deixa de ser desgastante e se torna uma ação harmoniosa e sem entraves. Além disso, trabalhar posições que se encaixam dentro de uma mesma finalização, nos possibilitam como atletas, explorar nossa criatividade e reflexo.
Convém lembrar que há uma diferença entre o uso de técnicas e táticas durante a capacitação. O primeiro se refere ao procedimento ligado à arte, estudado em treinos sem obstáculos, ou seja, momento no qual, após os aquecimentos iniciais, nossos professores de jiu-jitsu passam os chamados “fundamentos”. Já a tática indica o processo usado durante as competições, nos ditos “rolas” durante as aulas, ou em possíveis situações de perigo iminente.
Ao se examinarem os diversos métodos para o ensino-aprendizagem, destaca-se dois de alta eficiência para colaboração da memória motora, relatados a seguir:
– Execução Distribuída: Nada mais é do que subdividir o estudo ao longo do tempo. Aqui, vemos a importância do descanso entre os treinamentos. Nestes intervalos, nossa memória irá assimilar os movimentos corporais, facilitando o desenvolvimento destas habilidades posteriormente.
– Teste da Prática: Significa simular uma real situação de embate. Os músicos, por exemplo, utilizam esta estratégia quando ensaiam, principalmente em grupos. Já os “concurseiros”, resolvem diversas provas de variadas bancas organizadoras. Para nós, atletas do Jiu-jitsu, devemos lutar com vários níveis de graduação dos adversários durante os treinos, visitar outras academias e também participar de campeonatos. Isso nos preparará para os variados momentos de pressão.
Ademais, outros métodos de eficiência moderada, porém de igual valor podem ser sugeridos:
– Interrogação Elaborativa: Este recurso trata da compreensão do que nos é ensinado, com indagações como “por que” ao invés de simplesmente “o que é isso? ”, criando explicações que justifiquem as posições e finalizações do Jiu-jitsu. Como efeito, alcançamos melhor assimilação da mesma.
– Autoexplicação: exercemos sua prática nos momentos onde explicamos aos nossos colegas de tatame algum detalhe sobre determinada posição. Vale lembrar que essa só tem valor no momento da instrução de fato.
Recentes estudos publicados na Psychological Science in Public Interest, uma revista da Association for Psychological Science, revelaram que técnicas como visualização não garantem muita melhora na qualidade do estudo. Por isso, vídeos de “Youtube” e até mesmo a Universidade Online de Jiu-jitsu levantam polêmica e a indignação das academias físicas que tanto trabalham para que seus alunos avancem nesta arte suave.
Então, não haveria contribuição do método de visualização neste processo? Não devemos ser tão generalistas. Claro que há, e isso é bem provado quando filmamos nossos “rolas” durante o treino ou nas competições. Afinal, quando a “cortina se fecha”, independentemente de haver um lugar no pódio ou não, sempre somos levados a refletir no que podemos melhorar.
Por outro lado, Henri Michaux, poeta belga, dizia que “a aprendizagem da aranha não é para a mosca”. Dado o exposto, entendemos que o praticante deve estar constantemente focado nas instruções recebidas. Devemos nos auto conhecer e aplicar da melhor forma os recursos acima citados, colocando-os, diariamente, em prática e tirando o maior proveito do que nos é apresentado pelo mestre e colegas mais graduados (sim, certamente podemos nos desenvolver uns com os outros!).
Em vista dos argumentos apresentados, somos levados a acreditar que a evolução da memória motora advém de repetições e não de uma mera “mecanização” desta, necessitando de momentos para a reflexão do proposto. O uso da inteligência corporal cinestésica no controle dos movimentos é a principal ferramenta para o aumento da qualidade dentro e fora do tatame.