Sim, estamos nos tornando uma irmandade, saindo de um esporte de poucos, fechado e sisudo, para um esporte extremamente socializador, transformador e formador de caráter. Observe que é cada vez mais comum a presença de alunos visitando outras academias, seja como convidados para ajudar a divulgar o jiu-jitsu junto aos segmentos mais específicos, como mulheres e crianças, ou simplesmente para dar um treino sem maiores pretensões. O jiu-jitsu vem se transformando numa rede de compartilhamento de conhecimento que independe de graduação, de bandeira, de cidade e até de país.
Quem tem a mente aberta percebe imediatamente os ganhos que este processo evolutivo (ainda em andamento) traz pra o jiu-jitsu, sobretudo se fizermos o resgate histórico dos primórdios da modalidade no Brasil. Antes, é importante salientar que este tipo de mudança representa um diferencial relevante na forma de se enxergar o jiu-jitsu nos dias de hoje, porque quebra com algumas tradições que durante muito tempo colocavam o esporte como algo parecido a uma sociedade secreta em que ninguém tinha o direito de sair ou se emancipar, que aos olhos dos leigos era formada por gente bruta, briguenta e antissocial.
Quando as academias de jiu-jitsu começaram a se popularizar no Brasil, lá pela década de 1990, o aluno que visitasse o “inimigo” era imediatamente taxado de “Creonte” (termo cunhado por Carlson Gracie inspirado num personagem de novela que era traidor e mau caráter); e provavelmente convidado a sair da equipe. Naquela época, também era comum que o visitante fosse considerado um espião que estava ali para analisar o treino do adversário, mesmo que tivesse sido convidado. A situação era extremamente delicada por que as desavenças extrapolavam os limites das academias e não raramente se via brigas entre as equipes dentro das competições e até nas ruas.
Ainda hoje é possível verificar alguns comportamentos retrógrados e nada condizentes com a irmandade que o jiu-jitsu vem se tornando, pois ainda há quem convide o colega apenas para que ele seja vítima da famosa “casinha”, cujo objetivo é simplesmente amassar o convidado. Felizmente, este tipo de comportamento está fadado a desaparecer, como já desapareceram muitas outras questões negativas que circundavam os lutadores de jiu-jitsu.
Muito dessa mudança de comportamento se deve ao avanço nas formas de se relacionar com o outro, impulsionado pela enorme interação que a internet proporciona. A conduta atual remete à troca de conhecimentos até mesmo entre atletas que se enfrentam constantemente em competições e isso é fantástico de se ver. É algo parecido com uma rede viva de troca de aprendizados e valores em que todos saem ganhando de alguma forma. Ora, é sempre uma honra ser chamado pelo líder ou colega de outra academia para puxar um treino (aos mais graduados) ou simplesmente para fazer um rola sem que haja o medo dessa atitude repercutir de forma negativa junto aos seus pares de equipe, como era há anos atrás.
Mas, se por um lado há quem consiga pensar e agir “fora da caixa” sem nenhuma crise, por outro há aquele professor que não permite que seus alunos visitem outras academias e que também não recebe bem os visitantes, talvez pela lembranças da época da “creontagem” ou pelo medo de perder o aluno para outra equipe (leia-se: “insegurança”), ou pelo receio de que seus alunos não deem conta do visitante, ou por simplesmente não confiar em ninguém, ou, ainda, por não gostar que os alunos façam isso sem um motivo justificável. Bem, cada um com seus motivos e nem todo mundo é obrigado a pensar e agir igual.
Felizmente o número de professores “do contra” vem caindo em relação aos que já superaram essa questão de limites e não enxerga problemas quando seus alunos são convidados a visitar outras academias ou quando eles trazem amigos para treinar, porém é importante atentar para os exageros e alguns cuidados. Por exemplo, visitar a academia do amigo não deve se tornar uma rotina; sempre que receber um convite é importante pedir autorização ao professor, afinal, se algo fora do padrão acontecer é bom que ele saiba onde o aluno está e principalmente a quem procurar em caso de urgência.
No mais, continuemos evoluindo e compartilhando conhecimento com responsabilidade. O jiu-jitsu e todos nós só temos a ganhar.