Não se assuste com a pergunta, pois a ideia é provocar a discussão mesmo: afinal, para que existe o faixa branca dentro de uma academia? Esta questão pode parecer ridícula ou inapropriada, mas tem muita gente por aí que não saberia respondê-la, sabe por quê? Pelo simples fato de que não reconhecem a importância e valor dos iniciantes no jiu-jitsu ou, pior ainda, esqueceram que um dia já foram iniciantes.
Por que este tema? Bem, quando eu escrevi um texto que viralizou na internet intitulado “O faixa branca tem meu respeito” (que você pode ler AQUI), sem querer ou saber acabei mexendo com os sentimentos de muitos que passam ou já passaram pelo que está descrito nele quando se trata do início na arte suave. O texto aborda as dificuldades e medos do aluno iniciante, mas sabemos que muitos desses medos e dificuldades só existem por conta de algumas atitudes exercidas dentro do tatame contra os iniciantes. Considere, portanto, este artigo como a outra ponta, o outro lado da frágil ponte que liga um faixa branca a um graduado responsável.
Todos nós temos um ponto de partida na vida, da concepção ao nascimento, da primeira palavra ao primeiro passo, do primeiro amor à primeira desilusão, da primeira derrota à primeira vitória, da faixa branca à faixa preta e além. Então, qual a justificativa para um aluno mais graduado ou o próprio professor desprezar ou humilhar os alunos iniciantes, já que pela lógica, nenhum deles chegou a este patamar sem passar pelas faixas iniciais? E por qual motivo eles se esquecem disso e insistem em demonstrar essa autoridade desnecessária?
A resposta pode estar em dois pontos: 1. Personalidade e; 2. Maus exemplos. Eu mesma já presenciei professores declarando: “faixa branca não me interessa, pra mim eles são nada!”. O fato é que nem todo professor tem habilidade, didática ou paciência para lidar com quem está começando no jiu-jitsu e por conta disso acabam transferindo essa “herança” ao seu legado, alimentando um ciclo abominável e muitas vezes traumático para quem cai nas mãos de pessoas assim. Neste contexto o faixa branca não pode se pronunciar, se posicionar, tampouco contestar o que é dito dentro da academia (e às vezes nem fora dela) sob o risco de ser humilhado sem qualquer motivo justificável.
A graduação deveria ser dada para o aluno que atende aos princípios da evolução na Arte e na observação da humildade, da polidez e do respeito às regras que sempre devem acompanhá-lo. Infelizmente nem todos usam esses critérios para graduar e ao não usá-los acabam transitando na contramão do óbvio e conduzindo os seus alunos pelo mesmo caminho. Por isso é muito comum se observar em algumas academias alunos graduados exercendo a sua tirania, arrogância e impondo um poder exacerbado aos menos graduados. Tenha certeza absoluta que isso é mais comum do que parece e existe mesmo muita gente por aí que não sabe a mínima diferença entre ser disciplinador e ser autoritário.
Por outro lado, há academias corretas, onde o aluno iniciante não é tratado com menosprezo, reducionismos ou arrogância vindos do professor ou dos mais graduados. Há a prevalência do ensino focado na essência da arte da luta, no qual o aluno aprende a se posicionar diante de todos sem se sentir constrangido; aprende as regras do tatame assim que pisa nele pela primeira vez e assim saberá que será repreendido (e não humilhado) quando transgredir alguma delas; aprende a respeitar as hierarquias das faixas sem sentir a sua própria faixa desmerecida; aprende que se ele cumprimenta o mais graduado é por valorização, respeito e admiração. Entende-se que uma academia disciplinadora está longe de ser um quartel general onde manda quem pode, obedece quem tem juízo.
É preciso reconhecer o valor que os alunos iniciantes possuem, pois todos que lidam com o jiu-jitsu sabem que são eles que mantêm as academias por serem quase sempre maioria nas aulas. São eles que precisam ser motivados para não desistirem no primeiro obstáculo. Os valores do jiu-jitsu são ensinados quando se é faixa branca e se este aprendizado for comprometido teremos cada vez mais graduados com o perfil de tiranos e ditadores nas academias que refletirão fora delas.
É preciso atentar para os exageros, erradicar situações do tipo “aqui faixa branca é que limpa o tatame”; “paga 10 aí, ô faixa branca, por se meter na conversa de graduado!”; “faixa branca não é gente”. Ao invés disso é preciso informar que todos devem contribuir para a melhor conduta das aulas, ajudar com a higiene do local de treino, solicitar apoio e não impô-la pelo simples argumento de que “o branca tem obrigação que fazer”.
Se o faixa preta é o branca que não desistiu, ele com certeza teve vários motivos para ficar e persistir. Seria mais nobre se cada graduado que ajudou o branca a não desistir fosse lembrado por ter sido ponte e não obstáculo para a formação de um graduado responsável com seus pares e cidadão de bem. Lembre-se, antes de qualquer faixa, antes até do jiu-jitsu, somos todos seres humanos que merecem respeito. A Arte Suave agradece e a humanidade também.
E sabe para que serve o faixa branca? Para sempre nos lembrar de onde viemos.
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