Em uma palestra do TED, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adiche fala do perigo de uma história única. Em sua fala, ela explica seu processo de escrita e como ela, nascida na Nigéria, escrevia coisas completamente fora do seu ambiente e descrevia pessoas com características físicas totalmente diferentes da dela.
Bem, eu amava aqueles livros americanos e britânicos que eu lia. Eles mexiam com a minha imaginação, me abriam novos mundos. Mas a consequência inesperada foi que eu não sabia que pessoas como eu podiam existir na literatura. Então o que a descoberta dos escritores africanos fez por mim foi: salvou-me de ter uma única história sobre o que os livros são.
O que Chimamanda diz é: se você não está lá, ocupando determinado espaço, você não existe (ou quase isso). Se você não vê uma pessoa igual, com a qual se identifica, alguém que tenha o cabelo igual ao seu ou viva os mesmos problemas que você, sua presença não é notada e passa a ser insignificante. Agora, o que isso tem a ver com o jiu-jitsu? Eu respondo: tudo.
Os tatames ainda são majoritariamente ocupados por homens. Porém o fato de vermos mulheres lá faz com que nos sintamos mais representadas. Eu, como iniciante da arte suave, me senti muito mais confortável quando descobri que a academia na qual eu me matriculei tinha algumas (mesmo que poucas) meninas. Isso porque essa presença me deu a certeza de que aquele lugar também era pra mim, de que eu também poderia ocupá-lo.
Algumas dessas conquistas de espaços ainda são muito recentes, como é o caso do MMA (sobre este assunto, você pode ler mais AQUI e AQUI). Mas, mesmo assim, estamos lá. Pessoalmente, torço muito mais pelas mulheres do que pelos homens no esporte, me identifico com elas, acho que são “gente como a gente”, consigo me enxergar mais nelas etc. Sinto, além disso, imenso orgulho por elas estarem ali contrariando padrões estéticos esperados (por serem fortes, ou estarem acima do peso considerado ideal, ou por serem brutas) e sem se importarem com os julgamentos decorrentes dessa não adequação aos padrões.
Falando nisso, a presença maciça das mulheres nas artes marciais de todo tipo é essencial para firmar a representatividade enquanto estereótipos. No jiu jitsu, por exemplo, podemos ver corpos de todos os formatos, cabelos de todos os tamanhos e tipos variados, isso nos representa. E, claro, só o fato de ser mulher já é suficiente para sanar algumas dúvidas muito específicas da nossa condição, sejam dúvidas a respeito do cabelo, ou pela roupa que usar debaixo do kimono, tudo isso só pode ser respondido por alguém que vive essas questões (sobre isso, tem esse texto AQUI sobre menstruação, vale a pena ler).
No vídeo de Chimamanda (que eu citei no início deste texto), ela fala, principalmente, das relações de poder que as histórias carregam. Quando um povo conta a história de outro, ele tira o seu lugar de fala e, consequentemente, enfraquece sua representatividade. Um site feito, principalmente, por mulheres e para mulheres sobre assuntos que antes eram exclusivos dos homens (como é o caso deste aqui) deixa claro que nós estamos tomando espaços, ocupando nosso lugar de fala na história. Pode parecer pouco, mas, como diz o velho ditado, “Roma e Pavia não se fizeram em um dia”. Somos poucas, mas somos fortes e, essencialmente, somos unidas!
Ainda estamos presentes em número reduzido nos esportes individuais, mas estamos lá. E para quem está de fora, a presença de cada uma conta muito, pois é um incentivo para começar. Já postamos aqui inúmeros textos sobre sororidade (AQUI e AQUI tem alguns deles), sobre aceitar e ajudar outras meninas, mas você já pensou na sua importância enquanto praticante deste esporte? Já pensou no quanto outras meninas, ao te verem de kimono, também pensam que podem pisar no tatame? Pense nisso.
Para finalizar, uma citação de uma de nossas maiores inspirações no esporte, que vale a reflexão:
“Você é uma garota, é mais difícil ser uma garota neste esporte que um garoto. Não deixe que alguém faça você se sentir indesejada. Você tem direito de estar lá.” (Ronda Rousey)
Nós podemos ser tudo o que quisermos!
Referências:
Chimamanda Adichie: o perigo de uma única história (TED)
Google propõe emojis femininos
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