Você entra no tatame, faz reverência, cumprimenta o professor e parceiros, faz alongamento sozinha, sentindo a dor do treino de ontem lembra do tempo extra que está dedicando depois das aulas para melhorar suas habilidades de passe de guarda. Passa sua mão pelas juntas dos dedos e sente a rugosidade das bolhas dos exercícios de pegada. Tem sido difícil, você tem se esforçado muito e com sorte você vai ver os resultados logo. O seu devaneio desaparece quando o professor fala para todos correrem no tatame. Você nunca gostou de aquecimento, mas mesmo assim você corre.

Uma eternidade depois, todos estão olhando a técnica de hoje. Não parece difícil. Você olha para seu parceiro e começa praticar. Definitivamente, parecia mais fácil um momento atrás. Sua mão está no lugar correto? Seu parceiro está confundido, então você olha para o par do lado. Quem está fazendo a técnica, faz um trabalho perfeito. Ela sempre faz. É mais jovem e talentosa. Você nunca vai ser tão boa quanto ela. Ela é inata.

Todos conhecemos aquelas pessoas talentosas, gênios do grappling. A pergunta é, o que faz deles tão talentosos? A maioria das pessoas acreditam que o talento é a habilidade inata de sobressair. Algumas pessoas simplesmente nascem sendo talentosas, equipadas pela natureza com aptidões. Na verdade, a ciência discorda. Durante os últimos 30 anos, cientistas de diversos campos têm dedicado tempo ao estudo do talento. A hipótese de que se nasce ganhador foi testada e os resultados vão mudar sua perspectiva e como você se vê, como você vê suas habilidades e seu potencial.

Em palavras mais simples: quando você entra no tatame, traz com você uma mala com muitos compartimentos. Um deles contém rasgos fixos, como a altura e as fibras musculares, ou seja, características herdadas que não podem ser mudadas. Um compartimento similar,  também relacionado à genética, inclui habilidades herdadas como a memória funcional ou produção de fala. Dentro desse compartimento,  há um outro chamado “habilidades adquiridas”, que contém as habilidades aprendidas diariamente. Muitas pessoas entendem o talento só em termos desses três compartimentos.

Porém, existem outros elementos que são tão importantes quanto a “mala”. O primeiro é a prática, mais prática resulta em maior conhecimento do assunto. Num estudo, David Z. Hambrick e colegas encontraram que a prática deliberada explica o 30% das deferências em desempenho no xadrez e na música. E alguns cientistas até tentaram predizer a quantidade de tempo necessário para obter competência. O psicólogo K. Andres Ericsson e colegas indicam que esse tempo é próximo a 10 anos, mas o jornalista canadense Malcolm Gladwell afirma, em seu livro Outliers, que é de apenas 10.000 horas. Para nossa “mala” isso significa que devemos usar os elementos dentro dela o máximo possível.

O segundo elemento é a disposição, a vontade de praticar e aprender. Isso envolve tomar a decisão de investir tempo e esforço sem desistir. Ou seja, carregar deliberadamente e repetidamente o peso de nossa mala no tatame, leve ou pesada. O último elemento, mas com certeza não o menos importante, é o ambiente. O que os estudos concluem sobre este aspecto é que os genes só se expressam quando for expostos ao ambiente apropriado, pois nossas células são alteradas o tempo todo por nossas experiências. Consequentemente, o jeito de acionar os genes é explorar diferentes domínios. Isto é, trazer a mala ao lugar correto. Você não levaria um travesseiro para casamento, né?

Resumindo: todos nós carregamos nossa própria mala, cheia de habilidades, usadas em diferentes situações, e testadas em diferentes ambientes. Com isso, aprendemos e conhecemos seu valor e utilidade. Assim, no final do dia, o que importa não é o que a mala trazia originalmente, mas o que continuamente adicionamos nela através de nossas experiências e nossa determinação.

Então, a próxima vez que você ver aquela mulher talentosa, aquela que parece não se esforçar, pense de novo. Cada célula no seu corpo tem sido testada para levá-la até lá. E o fato de parecer ser mais difícil para você, não significa que você não tem talento. Significa que sua coleção de genes ainda não foi acionada, talvez por falta de prática ou talvez porque não tenha sido exposta a todos os ambientes possíveis. Uma das conclusões mais definitivas destes estudos é que todos somos capazes de ter sucesso de forma extraordinária em algum domínio. O essencial é encontrá-lo. Você também vai encontrar o seu!

Referências

JUN, P. (17 de Fevereiro de 2016). Motivated Mastery. The Science of Talent: http://motivatedmastery.com/the-science-of-talent/

KAUFMAN, S. B. (7 de Julho de 2013). The Guardian. What is talent- and can science spot what we will be best at?: https://www.theguardian.com/science/2013/jul/07/can-science-spot-talent-kaufman

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