É que Narciso acha feio o que não é espelho…
(Caetano Veloso)
Conseguir alcançar conquistas e conhecimento depende de alguns fatores que nem sempre estão ao alcance de todos. Uma miscelânea de determinações estão sempre envolvidas em tais questões. Um professor e amigo certa vez me falou: “Veja o quão importante é sua posição de vencedor, como influência. Isso não quer dizer que você é o melhor”. Internalizei e tento estender o conselho até o trabalho como professor.
Tive a oportunidade de ouvir o que muitos não tiveram, como outras oportunidades. Como cada um é um ser biologicamente particular e socialmente construído, procuro entender o que leva algumas pessoas a deixarem suas posições de aluno graduado ou professor lhes envolver num manto vazio e sintomático da vaidade. Prazer? Transtorno de personalidade? Insegurança? Vamos por partes:
O PRAZER
Um dos fatores que determinam a permanência ou a escolha por algumas atividades esportivas, ou não, é o prazer. Saber e sentir que encontraremos numa atividade aquela sensação agradável de alegria e satisfação, que nos deixa em harmonia com nosso corpo e nosso Id e ego, duas das três estruturas responsáveis por nosso aparelho psíquico segundo o pai da psicanálise Sigmund Freud. Não posso esquecer de citar que a aceitação do grupo ou das pessoas que nos cercam é encharcada de simbolismo dentro do nosso consciente.
A nossa relação com o prazer transita em vias que, quase sempre não estão seguindo o mesmo caminho. O que é satisfação para alguns pode ser motivo de preocupação para outros, principalmente, quando algumas barreiras éticas são extrapoladas na busca de tal. Podemos exemplificar da seguinte forma: Praticar jiu-jitsu como uma forma de buscar o bem estar, como atividade esportiva, manutenção da saúde, ou até para encontrar ou reencontrar velhos amigos pode ser muito prazeroso. Para o que procura e para os que estão a sua volta. Submeter os mesmos atores ao prazer egoísta e indiferente da minha posição ou graduação, na verdade, não agrada ninguém.
NARCISISMO
Narciso,o personagem que coloquei na introdução do nosso texto, faz parte das histórias de Deuses e heróis mitológicos. Narciso, por ignorar o interesse da ninfa Eco e outras ninfas, foi condenado pela deusa da vingança a velar sua própria beleza até ser envolvido pelo manto da morte. Diz o mito que Narciso era dono de uma beleza invejável, por isso não poderia nunca ver sua própria imagem. Certo dia, ao se inclinar sobre um lago para beber água, viu sua imagem refletida e apaixonou-se por si mesmo, e mergulhou nos braços da morte. O mito de Narciso incorporou para muitos o poder da autoestima e de suas consequências. E deu nome a uma das teorias psicanalistas Freudianas.
De acordo com Freud, todo sentimento onipotente que seja confirmado em suas experiências – afetivas, profissionais e no nosso caso, esportivas – alimentam a autoestima e esta, precisa da libido, ou, em outras palavras, dos anseios e desejos de vida para se fortalecer. Em poucas palavras, um indivíduo narcisistas sentem amor por si próprios, por sua imagem. E antes de os crucificarmos, a Associação Americana de Psiquiatria classifica o narcisismo como um transtorno de personalidade.
VAIDADE
Uma célebre frase do pensador e estudioso da psicologia histórico-cultural Lev Vygotsky diz que através dos outros nos tornamos nós mesmos. Ele acreditava que internalizamos o discurso do outro, assim, nos tornando seres sociais e nos desenvolvendo como pessoas. Se olharmos para nosso contexto, veremos que há uma forte influência midiática, num sentido geral, do culto ao “melhor”. Por exemplo: você lembra quem foi a vice-campeã ou a terceira colocada do último absoluto faixa preta, em qualquer competição de sua preferência? Muito se fala sobre participar, contribuir, mas a expressão mais romântica é a do primeiro.
Uma das definições de vaidade é o desejo imoderado e infundado de merecer a atenção dos outros; presunção do próprio mérito. Corroborando com Vygotsky, o outro ou a opinião do outro participando fortemente na formação da personalidade ou caráter.
POSSIBILIDADES
No jiu-jitsu, as faixas representam o nível técnico e de instrução de cada componente. Assim como no Judô. Mas, foi no “caminho da suavidade” que encontrei as expressões sempai e kouhai, que tratam respectivamente do aluno mais antigo e do aluno mais novo. Muito além de termos, são formas de tratamento entre estudantes, em que o mais velho, ao invés de se sobrepor ao recém chegado na academia, orienta-o com empatia e solidariedade sobre todos os procedimentos e dúvidas. Não posso esquecer de citar o Sensei, que teve sua melhor definição feita por Dave Lowry: o caminhante do caminho que já foi longe e é capaz de recordar seus passos para poder ajudar outras pessoas na mesma trilha.
Mauri de Carvalho no seu livro Judô ética e educação, propõe que as aulas devem ser encaradas como momentos de trocas de experiências no estudo e aplicação das técnicas. Deste modo, o professor é o mais experiente e irá conduzir a apresentação do conteúdo necessário para a preparação geral, estimulando a reflexão dos alunos a respeito de possíveis falhas e ajustes nas técnicas, como também reconhecer as suas falhas em alguns processos. Criando um ambiente de respeito mútuo e agradável.
Sem comparações, entenda que estou apresentando possibilidades de relações dentro do dojô totalmente diferentes as que deram título a este texto, não se trata de julgar o judô melhor que o jiu-jitsu, como ele também não é uma tentativa de justificar o comportamento de alguns professores e alunos. Convido todos a uma reflexão, que é mais interessante que julgamentos. Não deixemos subir à cabeça!
De fato, alguns males sociais causam transtornos e conflitos de personalidade em muitas pessoas e acabam, como já citei, resultando em problemas de relações entre os praticantes da arte suave. Deixo um conselho do Sensei Jigoro Kano para pensarmos em novos caminhos, que não sejam, colocar-se a cima de ninguém:
Somente se aproxima da perfeição quem a procura com constância, sabedoria e sobre tudo muita humildade. Que esta busca chegue a todos! Oss!
REFERÊNCIAS
Bulfinch, Thomas. O livro de ouro da mitologia: História de Deuses e Heróis. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
Carvalho, Mauri de. Judo: Ética e educação: Em busca dos princípios perdidos. Vitória: EDUFES, 2007.
Freud, Sigmund. Introdução ao narcisismo: ensaios de metapsicologia e outros textos. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
Vygotsky, L. S. A formação social da mente. Organizadores: Livraria Martins Fontes Editora Ltda. São Paulo: 1991 4ª edição brasileira.
Lowry, Dave. O dojo e seus significados São Paulo: Pensamento, 2001.