É comum no processo de troca de equipe/academia que ocorra algumas observações a respeito do método de trabalho dos professores. Não há nada de negativo nisso. Há sempre questões que causam aos alunos um certo receio de questionar, pelo respeito à posição do Sensei. E claro, ocorreu em minha aula.
Há também este estranhamento em atletas de outras modalidades esportivas, quando se deparam com um treinamento que não estava em sua rotina, ou por construções históricas de “métodos” ideais de uma boa performance.
Por bastante tempo, seja em Aracaju ou no Alabama (como na canção do Zeca Baleiro), sempre nos deparamos com aquele: não esquece de alongar antes para evitar lesões! E é a partir de uma revisão em artigos e livros de treinamento esportivo que iremos observar o que nos recomenda os pesquisadores e especialistas sobre o que é ideal antes do treino, alongar ou aquecer?
Como foi citado, tivemos implantado em nossa cultura, por muito tempo, a ideia de que o alongamento antes da atividade ajudaria a prevenir lesões, ou ajudaria na preparação da estrutura muscular para a atividade a ser realizada. Os alongamentos são exercícios cujo o objetivo é alongar o tecido mole para melhorar a amplitude do movimento, mantendo ou desenvolvendo uma considerável flexibilidade.
Assim como a flexibilidade, outras valências físicas fazem parte do conjunto de capacidades solicitadas pela arte suave. Como força, potência, velocidade, resistência aeróbia, agilidade, equilíbrio, coordenação, resistência muscular localizada e composição corporal. No artigo publicado pela revista brasileira de Cineantropometria & Desempenho Humano, os pesquisadores alertam que o alongamento não possui relação com a prevenção de lesões, e que há fortes evidências de que o aquecimento é o que impede ou diminui estes riscos. Ainda no mesmo artigo, foi apresentado um estudo que aponta o alongamento estático como responsável por diminuir em 2,8% o pico de torque (Força muscular funcional máxima), o que nos mostra que diminui força e potência muscular, duas valências citadas como necessárias ao jiu-jitsu.
Para que ocorra uma contração muscular, ou vários outros tipos de movimentos em nosso organismo, é necessário o deslizamento de duas proteínas abundantes em nosso corpo actina e miosina. O deslizamento dessas proteínas em nosso músculo é facilitado quando o este possui o comprimento próximo ao comprimento dele em repouso, ocorrendo uma diminuição de força pelo alongamento ou encurtamento muscular. Lógico que o sistema nervoso central (SNC) e periférico tem influências neste processo.
Em outra pesquisa realizada pelo Colégio Brasileiro de Atividade Física, Saúde e Esporte (Fitness e Performance), foram avaliados 20 atletas de jiu-jitsu no exercício supino horizontal, com e sem o implemento do alongamento estático antes da avaliação. Os resultados foram: para os sem alongamento uma RM (repetição máxima) foi de 85,8±17,8kg, e com alongamento foi de 78,3±17,9kg, indicando diferença de 8,75% (p<0,001), chegando os pesquisadores à conclusão de que o tipo de alongamento utilizado (alongamento estático) no teste gerou efeito deletério na geração de força máxima dos avaliados. Os atletas eram do sexo masculino, 24 anos, tinham que possuir experiência de 6 meses no supino horizontal, e pelo menos um ano treinando jiu-jitsu. Sem nenhuma limitação que interferisse na realização do exercício.
O exercício utilizado no teste se aproxima da saída do 100kg, ou da forma que utilizamos para evitar que o adversário passe nossa guarda, tirar o adversário de cima do tórax. Se pensarmos em outros fatores que interferem no desempenho, como acidose metabólica (liberação de ácido láctico devido a contração muscular), fatores psicológicos e dentro desta cesta acrescentarmos uma perda de força? Seria interessante? Estaríamos comprometendo a capacidade de desequilibrar o adversário, projetar, fazer pegada, evitar ataques laterais, enfim, fatores a ser levados em consideração.
Por outro lado, é apresentada uma possibilidade interessante a ser trabalhada antes das aulas, o aquecimento. Trata-se do aumento gradual da atividade física que faz com que a temperatura corporal eleve-se aumentando a eficiência das contrações, reduzindo a viscosidade intramuscular. Esse aumento da temperatura também apresenta:
- Facilitação do fluxo sanguíneo;
- Maior quantidade de produtos metabólicos necessários para as reações químicas que favorecem a energia procedente do glicogênio;
- O calor adequado na musculatura melhora as condições de velocidade, de contração e descontração;
- A repetição dos gestos no aquecimento favorece o trabalho de coordenação neuromuscular.
Alguns pesquisadores afirmam que a baixa temperatura corporal reduz o tempo de reação e excitabilidade dos músculos. Devemos também observar alguns detalhes, como a especialidade do aquecimento, temperatura ambiente, e a duração e intensidade.
Na especialidade, devemos iniciar gradativamente o aquecimento com movimentos de efeitos fisiológicos gerais (caminhar, correr, deslocamentos laterais/para trás) e logo após exercícios específicos, no nosso caso, simulando a técnica a ser trabalhada no dia, ou movimentos que se aproximem do trabalho a ser executado no dia.
Quando o ambiente estiver frio, iniciando em ritmo lento, o aquecimento deve ser executado de maneira intensa.
Quanto à duração, é solicitado que seja aplicado ao ponto do atleta alcançar o aumento da temperatura, sinalizado com a sudorese, sem exagerar. Este ponto é determinante para a qualidade do aquecimento. Um detalhe importante é, se exagerarmos no aquecimento no dia que será passado uma técnica nova, podemos comprometer o estado cognitivo do atleta. Ao aluno cansado pouco importará o detalhe do movimento, apenas descansar.
Por fim, o tempo utilizado nos alongamentos prévios aos treinos pode ser acrescentado por atividades correspondentes a técnicas. Podemos jogar fora ou excluir o alongamento dos treinos? Negativo! É aconselhável que a flexibilidade seja trabalhada fora do horário dos treinos. Lembremos que ela é de suma importância para o jiu-jitsu. Uma boa sessão de alongamentos pode (mas não em todos os casos) ajudar no alívio das dores musculares de início tardio DMIT, que são dores que aparecem um dia após o treino, decorrentes de lesões, por conta de um treino não habitual.
Não queremos, neste texto, mudar ou dizer que alguns profissionais trabalham de maneira incorreta, estamos apresentando apenas possibilidades de trabalho. Utilizo na prática cotidiana estes conhecimentos e desde que comecei percebo uma melhoria técnica em meus alunos. O número de lesões é quase zero, e o desempenho nos treinos e competições são positivos. E no caso dos alunos que precisam trabalhar no outro dia, ou no caso das mulheres, cuja realidade é bem diferente da realidade masculina, estar integro fisicamente é imprescindível.
Bons treinos!