Quando o jiu-jitsu se torna nocivo à saúde?

Parece até estranho o título do texto? Se analisarmos alguns fatores e conceitos, observaremos que, aplicado em excesso ou desprovido do acompanhamento de alguns profissionais importantes, o jiu-jitsu pode trazer alguns problemas que podem até afastar você da prática. O estranhamento se dá quando só nos aproximamos dos benefícios da arte. Quando só esses benefícios são expostos.

Estava olhando um vídeo numa rede social, no qual o professor Junior Silva contesta a falta de fiscalização do nível dos professores nas academias. Corroboro com o pensamento do colega, até por que, além de me preocupar com a integridade física dos trabalhadores, meus alunos, esses em sua maioria procuram o jiu-jitsu como manutenção da saúde. Claro que tenho alunos competidores, mas não os deixo desamparados de conhecer e se aproximar de alguns riscos da negligência ao treino.

Nunca podemos esquecer o quanto é competitivo o mercado de trabalho. No nosso modelo de sociedade, tudo que é vital ou necessário para a manutenção da vida gira em torno do dinheiro. Neste cesto de necessidades, incluiremos o lazer, que demanda de tempo livre. A única forma de conseguir os meios para se obter acesso ao indispensável é o trabalho. Por fim, convido caro(a) leitor(a), a pensar: se estivermos machucados ou limitados, como desenvolveremos tais funções?

Muitas vezes, nossa correria cotidiana não nos permite tal reflexão, temos metas a atingir no próprio trabalho, na família e no esporte. Tratando-se do público feminino, vale ressaltar as longas jornadas cotidianas enfrentadas por nossas heroínas. As atribuições do lar ainda são fortemente atreladas às mulheres, pois ainda há a ideia de que isso cabe apenas ao gênero. Dois pesos, medidas sempre injustas… Nem sempre foi assim, por isso, podemos ainda alterar essas relações. Fomos nós que construímos, podemos alterar!

Diante desse cenário, trago-lhes o alerta de alguns pontos a serem observados nos treinos:

A literatura cientifica enuncia que as lutas solicitam capacidades múltiplas dos atletas como, suportar à fadiga sem a diminuição da eficácia das ações técnicas e táticas e dos métodos. Já foram produzidos vários artigos científicos que analisam os efeitos da fadiga muscular e sua participação em lesões. Em alguns, ela é considerada como um mecanismo de defesa quando há ameaças às fibras musculares esqueléticas, quando o indivíduo é submetido a níveis de intensidades máximas e submáximas. Um sinal desse estado de incapacidade do atleta de manter a intensidade do exercício. Quantos colegas de treino conhecemos que pegam no mesmo dia até 3 treinos pesados?

O desconhecimento das leis do treinamento esportivo leva a alguns acreditarem que um melhor desempenho é pautado única e exclusivamente na quantidade de treinos. No entanto, capacidades e habilidades físicas devem ser levadas em consideração sempre, como velocidade, força explosiva, resistência de força, reatividade neuromuscular, coordenações grossa e fina, força máxima e equilíbrio, atuando em conjunto com o estado emocional, componentes técnicos e táticos, bem como a nutrição e o descanso. Claro que não podemos esquecer da hidratação.

A qualidade do treinamento se dá quando ocorre um adequado e contínuo desequilíbrio da homeostase*. O estresse causado por cargas de treino incompatíveis com a adaptação do atleta (fisiológica, bioquímica e psicológica) pode causar a síndrome do overtraining (sintomas: queda na performance e na qualidade do sono, desânimo, dor de cabeça, falta de concentração nos treinos, mudança de humor, irritabilidade, muito cansaço, dores musculares constantes) provocando prejuízos à saúde. Esse quadro pode evoluir para um problema maior, conhecido como Fenômeno de Burnot, no qual o esgotamento psicofisiológico leva o atleta a desmotivar da atividade.

A seguir, um quadro de possíveis lesões decorrentes de algumas técnicas:

Projeções

  • Estiramentos de primeiro a terceiro grau;
  • Entorse de primeiro a terceiro grau;
  • Subluxação articular;
  • Luxação articular;
  • Sinovite;
  • Defeitos osteocondrais (DOCS);
  • Fraturas;
  • Fraturas articulares.

Chaves

  • Estiramentos de primeiro a terceiro grau;
  • Entorse de primeiro a terceiro grau;
  • Subluxação articular;
  • Luxação articular;
  • Fraturas articulares;
  • Defeitos osteocondrais (DOCS).

Torções

  • Estiramentos de primeiro a terceiro grau;
  • Entorse de primeiro a terceiro grau;
  • Subluxação articular;
  • Luxação articular;
  • Fraturas articulares;
  • Defeitos osteocondrais (DOCS);
  • Tetraplegia (somente para “cervical”).

Estrangulamentos

  • Óbito- pelo impedimento da penetração do ar nas vias aéreas; por morte circulatória devido à compressão dos grandes vasos do pescoço que conduzem para o cérebro; por morte nervosa do mecanismo reflexo (inibição vagal);
  • Equimoses de pequenas dimensões na face, nas conjuntivas, pescoço e face anterior do tórax;
  • Infiltração hemorrágica em tela subcutânea e musculatura subjacente ao sulco;
  • Rupturas musculares;
  • Fraturas e luxações das vértebras cervicais.

Não precisamos ficar assustados, pois essas são singularidades do esporte, porém precisamos conhecer um outro lado da atividade que praticamos. Devemos ainda salientar o papel importante que as aulas de Educação Física possuem nas escolas. Não só no jiu-jitsu, mas todas as atividades corporais oferecem riscos e todos têm o direito ao acesso dessas informações. Lembrem-se sempre do que te motivou a praticar a atividade e que a integridade física se sobrepõe a qualquer resultado. Temos uma realidade difícil fora dos tatames.

Oss!

* Propriedade de um sistema aberto, especialmente dos seres vivos, de regular o seu ambiente interno, de modo a manter uma condição estável mediante múltiplos ajustes de equilíbrio dinâmico, controlados por mecanismos de regulação inter-relacionados. O termo foi criado em 1932 por Walter Bradford Cannon a partir dos termos gregos homeo, “similar” ou “igual”, e stasis, “estático”.) (explicação disponível AQUI). 

Leia também:

Alguns textos de referência sobre o assunto podem ser lidos nos links abaixo: 

Possíveis lesões decorrentes da aplicação das técnicas do jiu-jitsu desportivo

Efeitos de diferentes esforços de luta de judô na atividade enzimática, atividade elétrica muscular e parâmetros biomecânicos de atletas de elite

Fisiologia da fadiga muscular

Marcadores psicológico, fisiológico e bioquímico para determinação dos efeitos da carga de treino e do overtraining

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