Budo, o caminho esquecido

A transmissão de conhecimentos ou de formas que fazem parte de uma arte marcial, é fundamental para a preservação de rituais e linguagens particulares deste objeto da cultura corporal. Quando se ensina um atleta de Jiu-jitsu sem a preocupação com a saudação ao entrar no tatame, o respeito mútuo, cuidado com a integridade física do colega de treino, estamos deixando para trás uma série de princípios imprescindíveis para a prática de uma arte marcial.

A palavra arte marcial corresponde a um conjunto de regras físicas e mentais em diferentes níveis, com o objetivo de desenvolver seu aluno ao ponto que estes, apliquem seus conhecimentos para submeter seus adversários. São sistemas de combate onde não se utiliza armas de fogo. Marcial vem do Deus romano da guerra Marte.

Sabemos que o Jiu-jitsu brasileiro é oriundo da família Gracie, através da aproximação do patriarca Gastão com Mitsuo Maeda, o conde Koma. Ouve-se muito sobre a transmissão do guerreiro oriental para o cidadão ocidental, mas, pouco se sabe se o ensino pautou-se apenas ao conhecimento das técnicas. A dúvida surge quando não se torna visível a prática e o ensinamento do Budo nos tatames brasileiros.

Budo corresponde a preparação filosófica, intelectual e física do ser humano, não apenas dentro das limitações territoriais de sua academia, e sim em sua totalidade. É uma prática adotada em artes marciais orientais e, sua moderna referência é o Judô. Sim, o mesmo Judô que Mitsuo Maeda praticava e era graduado. O “Caminho do guerreiro” como é traduzido, evoca serenidade do praticante, severidade quanto aos rituais, respeito pelos mais antigos na arte, pelo mestre e a meditação silenciosa.  

Um dos fenômenos que podem explicar esta não transmissão do Budo é a competição. Não foi apenas o Jiu-jitsu, como arte marcial que se afastou do caminho do guerreiro, se observarmos algumas escolas de Judô ou de outras artes que tem a influência da cultura oriental, em sua maioria, o ensino é pautado na preparação do atleta para a competição. E neste caso, há uma defasagem no sentido original da arte. Há também a exclusão de técnicas que não são permitidas pelas regras. O foco no aprestamento do atleta competitivo, preparado para pontuar, para suportar longas jornadas de competição não o prepara para se defender de uma eventual agressão na rua. Para que ele conheça um pouco da história de sua arte. Para que ele discuta o papel político que ele tem perante as decisões de sua realidade.

Vale lembrar a visão do Mestre Flavio Behring, em sua entrevista para a Dragão Kimonos:

“Hoje o que eu vejo, é que muitas pessoas graduam por conta de performance em campeonatos. Hoje o atleta ganha, amanhã ele perde, a performance é inconsistente. É preciso que hajam bons professores, com formação técnica e maturidade suficiente para ministrar aulas, de forma que eles não acabem distorcendo o que deve ser bem orientado e bem guiado para que o aluno aprenda o que há de melhor.”

Entre estas e outras relevâncias, levanto a necessidade de se resgatar alguns princípios perdidos no tempo por nossa arte marcial. Nunca se foi tão importante em nossa sociedade cultivar o ser humano, que é a qualidade específica do Budo. Se quisermos realmente outras formas de nos relacionarmos. Oss!

“Somente se aproxima da perfeição quem a procura com constância, sabedoria e sobre tudo muita humildade.”   Jigoro Kano

Referências

Tokitsu, Kenji. Ki e o caminho das artes marciais; tradução: Luiz Carlos Cintra. – São Paulo: Cultrix, 2012.

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