Falar sobre autodefesa no universo feminino é um aspecto importante e, acredito eu, pouco debatido. Pouco debatido por diversas razões: geralmente, os espaços das artes marciais são predominantemente masculinos, ou há – algumas vezes – apenas uma relação de preocupação com o corpo para realizar práticas marciais (o que também não é problema e não devemos julgar as mulheres que se preocupam com essa questão). Felizmente, pouco a pouco esse perfil está mudando e as mulheres estão cada vez mais surgindo no universo das artes marciais, não por culto ao corpo, mas por amor às lutas. É interessante ver isso crescer e também acho válido trazer à tona um questionamento sobre a representatividade das artes marciais no universo feminino.
Entender o porquê de praticar uma arte marcial quando se é mulher é algo muito importante, já que nos traz reflexões poderosas sobre uma sociedade patriarcal em que nossa liberdade é podada: desde não conseguirmos andar tranquilamente nas ruas sem que um homem possa nos acuar, mexendo conosco simplesmente pelo fato de sermos mulheres, até sermos culpabilizadas pelas mais diversas violências, julgadas e violentadas pelas roupas que escolhemos vestir ou pelo horário que andamos nas ruas, por exemplo. Ou seja: a questão do gênero (que é oprimido x o gênero que oprime) fundamenta uma reflexão sobre a importância das artes marciais em nossas vidas, e no meu caso, especificamente o jiu jitsu.
Um exemplo interessantíssimo de movimentação pela autodefesa feminina, que junto a isso traz o pensamento acerca da violência de gênero que as mulheres sofrem, é o Wen-Do. Prática de defesa pessoal nascida no Canadá, nos anos 70, após um casal que praticava artes marciais terem se deparado com sua vizinha morta e espancada pelo marido. Segundo o site Blogueiras Feministas,
“(…) Eles decidiram então criar um programa de defesa pessoal para mulheres, que não precisasse de técnicas complexas e pudesse ser executado por mulheres de todos os tamanhos, compleições físicas e níveis de força. Até mesmo portadoras de deficiências físicas ou com restrições de mobilidade podem ser treinadas pelo programa.”
O interessante do Wen-Do é que ele nos faz refletir sobre a representatividade do corpo feminino e do ser feminino na sociedade e as violências por trás disso. Violências estas que podem ser físicas, psicológicas etc. Tal prática se espalhou pelo mundo e hoje existem organizações de mulheres que promovem o Wen-Do em diversos países (inclusive no Brasil, pela breve pesquisa que fiz). Há também outras movimentações, de outros grupos, para estimular a autodefesa feminina: na Índia, no Quênia, onde a violência contra as mulheres é bastante frequente – em que são “elas por elas”, já que o governo se ausenta e a própria polícia é ineficaz, se não a própria causadora da violência contra a mulher.
Agora, voltando ao jiu jitsu, arte que eu escolhi para a minha vida: sinto uma efetividade nos golpes e em tudo o que aprendo com o meu mestre na academia. Acredito que numa situação de risco – e me refiro aqui ao estupro, não a um assalto à mão armada que, vale lembrar, não devemos reagir –, eu teria boas chances de me defender. É nítido que o jiu jitsu te dá uma oportunidade de se livrar de oponentes que muitas vezes são maiores e mais fortes que você. Como já dizia o grande mestre Hélio Gracie: “O jiu jitsu não é para os fortões, é para os fracos, para as crianças e mulheres”.
Já cheguei a praticar outras artes marciais – fiz dois anos de Kung Fu, três anos de muay thai e atualmente faço boxe, além do jiu jitsu que foi a luta que mais melhorou a minha autoestima e fez com que eu me sentisse mais segura ao andar na rua durante à noite voltando da faculdade. Conseguir andar menos acuada faz muita diferença para nós, mulheres, que nos sentimos constantemente inseguras. Por isso, acredito que é preciso que estimulemos outras mulheres à prática do jiu jitsu, ou de qualquer outra luta que faça com que possamos nos sentir mais seguras nas ruas.
No site oficial do Wen-Do canadense, há alguns dados interessantes acerca da autodefesa feminina, pesquisas feitas por universidades como Oxford entre outras – o site Blogueiras Feministas traduziu os dados:
– resistir pode diminuir a chance de “sexual assault” (agressão sexual) completada em 70% a 80%;
– 81% das mulheres que correram evitaram a agressão sexual;
– 68% das mulheres que se defenderam de forma física evitaram a agressão sexual;
– 63% das mulheres que gritaram evitaram a agressão sexual;
– resistir fisicamente está mais associado a evitar a agressão do que a mais danos físicos;
– quanto mais estratégias de defesa uma mulher usa, maiores as chances de elas serem efetivas;
– quanto mais desconfiada a mulher for e mais rápido ela responder à situação, maiores as chances de a defesa ser efetiva;
– não fazer nada aumenta as chances de a violência ocorrer;
– saber defesa pessoal está associado a evitar agressões.
Vale lembrar, portanto, que saber como se defender pode fazer uma grande diferença na vida de muitas mulheres. E vale enfatizar também que aquelas que não reagem, não têm culpa da violência que sofrem.
E digo por experiência própria: praticar uma luta vai fazer com que você se sinta mais segura, que sua autoestima melhore, que você se sinta com um pouco mais de liberdade. Se havia algo que te deixava na dúvida sobre começar uma luta: repense. Faz muita diferença! E posso ser suspeita pra falar, mas de todas as lutas que já fiz, o jiu jitsu é aquela que me faz sentir mais segura a cada dia. Tê-lo nas mangas faz com que eu me sinta muito melhor. Você, mulher, pode. Você consegue. Você é forte! Vamos ser fortes juntas?
Oss!
Fontes consultadas:
Entrevista com Trude Menrath (Wen-Do)