O número de atletas mulheres em competições de jiu-jitsu mundo afora tem crescido consideravelmente. Porém, a verdade é que a grande maioria dessas atletas não têm a possibilidade de migrar de suas cidades para ter acesso a um treinamento específico para seus objetivos dentro do esporte. E é aí que a coisa pega.
Quando eu comecei a competir, automaticamente eu fui sentindo uma necessidade de pensar em formas de buscar minha evolução no tatame.
O ano era 2022 e eu estava na faixa azul. Mulher, mãe, mais de trinta anos… O que afinal eu buscava em uma competição? Eu respondo: auto realização.
O início de uma competidora de jiu-jitsu
O bichinho do jiu-jitsu me picou a primeira vez em 2016, mas até 2022 eu jamais cogitaria me expor dessa maneira por inúmeros motivos: por considerar que não era pra mim, por medo do que as pessoas iam pensar e falar, e principalmente, por me considerar velha demais pra isso.
Porém, em um belo dia eu fui convidada pelo meu professor a fazer uma luta casada, pois o evento – que era pequeno -, estava precisando de uma praticante da minha graduação e peso.
Impulsionada pela perspectiva de encarar meus medos, eu aceitei. E foi aí que tudo começou.
Desde então eu tenho buscado me expor cada vez mais em competições de jiu-jitsu, dentro e fora do estado, às vezes me saindo bem, noutras nem tanto. Mas o fato é que eu fui sentindo falta de algo que eu percebo que os atletas homens costumam ter muito: treinos específicos.
E mais do que isso, eles tem parceiros para esses treinos.
Eu demorei até conseguir tornar realidade a minha vontade de estudar o jiu-jitsu além daquela 1:30h de treino diário. Isso porque eu não tinha parceira.
Então resolvi fazer uma pesquisa para tentar entender porque é tão mais difícil estudar o jiu-jitsu quando se é mulher, e é sobre o resultado dessa pesquisa que eu vou falar hoje.
Competição: Caminho solitário
Entre todas as competidoras de jiu-jitsu que responderam minha pesquisa, 72,4% afirma se sentir solitária no caminho da competição por não ter absolutamente nenhuma atleta mulher para realizar treinos específicos, drills e etc.
Quando eu perguntei “Porque você diria que é difícil achar uma mulher parceira para estudar o jiu-jitsu de forma mais específica?”, a maior parte das respostas estiveram relacionadas a basicamente 4 fatores:
- Academia com poucas mulheres;
- Dificuldade da mulher em conciliar treinos extra devido à sobrecarga causada por trabalho, estudo e vida doméstica;
- Falta de incentivo por parte da academia para que as mulheres comecem a competir;
- Competição feminina interna.
Para cada problema, uma solução
Em muitas academias, receber mulheres nos treinos ainda não é desejado. Esses lugares sempre vão existir, afinal o mundo não é um lugar cor-de-rosa.
Porém, é muito importante que mulheres mais graduadas se levantem e comecem a se enxergar como liderança em sua comunidade.
Que propaguem mais o esporte, que convidem as amigas, as parentes, que incentivem as meninas da região. Eu sei que muitas já fazem isso, mas é um trabalho que precisa ser feito cada vez mais.
Sobre a dificuldade da mulher em conciliar esses treinos, ainda é muito cultural que a mulher seja sobrecarregada pelas tarefas domésticas e muitas fiquem encarregadas dos filhos, enquanto quem vai para o tatame é o marido.
Mas então eu convido vocês a refletirem:
- Até quando vamos seguir escolhendo para dividir a vida homens que não dão suporte, que não incentivam, que não são apoio?
- Até quando vamos escolher para a nossa vida estar com alguém que trava nosso crescimento?
- Porque esses homens ainda são uma opção para nós?
Longe de querer julgar alguém, mas é preciso pensar sobre isso. Afinal, se formos observar, indivíduos que reprimem, sobrecarregam e não dão suporte à mulher quase sempre estão casados. E isso é de se pensar.
Até quando vamos reclamar da bagunça enquanto deixamos palhaços entrarem na nossa vida bagunçando tudo?
Falta de incentivo
Muitas das competidoras que responderam ao meu formulário mencionaram a falta de incentivo por parte dos professores responsáveis para que mulheres compitam.
Isso é um fato. Boçais ainda existem às pencas.
Por esse motivo é indispensável que você, mulher competidora, que está em um local onde esse incentivo não existe, entenda que talvez esse movimento vá precisar partir de ti.
Talvez esse incentivo seja você, professor de jiu-jitsu.
Eu sou totalmente contra que mulheres aceitem estar em equipes que não incentivam mulheres, mas eu também entendo que algumas de nós simplesmente vivem em locais onde fazer uma troca não é viável.
É preciso entender isso.
Por isso, eu te convido mulher, a ser a pessoa que vai chamar, e inspirar as mulheres da sua academia a buscarem desenvolver seu jiu-jitsu. Mesmo que elas não queiram de forma nenhuma competir, afinal, o convite pode ser feito então como forma de apoio ao seu objetivo.
Para te ajudar sendo sparring. Como uma colaboração à competidora que vai representar a equipe.
Quem sabe dessa forma mais meninas acabem se interessando pelo tema competição?
Rivalidade feminina
Essa questão é uma das que eu mais tenho vivência para falar.
Antes de ser mencionada no meu questionário, eu já sabia que para algumas competidoras, a falta de parceria se deve ao fato da competição interna. E eu sei porque onde eu treino é assim.
Em uma cultura onde mulheres são incentivadas a competir por espaço e visibilidade – muito mais do que a colaborar umas com as outras -, essa rivalidade dentro da própria equipe é um fator que dificulta demais essa busca por evoluir o jiu-jitsu.
Muitas mulheres mais graduadas evitam realizar treinos específicos, primeiro porque elas acham que só têm a ensinar, não a aprender com menos graduadas.
Segundo porque, para muitas, ajudar a colega a desenvolver seu jogo significa que os rólas no dia a dia ficarão mais difíceis, podendo inclusive, essa colega acabar saindo vitoriosa dos combates de treinos.
E é estranho pensar, mas para algumas meninas, a possibilidade de perder para a colega de academia nos treinos é quase que um atestado de fracasso.
O fato é que algumas pessoas treinam para se sobrepor ao colega de equipe, enquanto para outras, aprender é mais importante, afinal a competição não vai ser contra o coleguinha.
Conclusão
Por mais que existam vários fatores que contribuem para que a mulher competidora se sinta sozinha nessa caminhada, eu acho importante que cada uma nós pare e pense: O que eu posso fazer para ajudar a mudar esse cenário na minha academia?
Porque foi isso que eu fiz. Longe de ser o cenário perfeito, eu ‘pentelhei’ algumas colegas até que fosse viável realizar esses momentos de estudo.
Começamos só entre duas, e hoje já somos quatro.
Pode ser que esse número não mude mais? Pode sim. Mas pode ser que isso incentive outras.
Independente do que for, é preciso que cada competidora entenda suas necessidades e busque fazer algo para mudar esse cenário, afinal, nenhuma mudança de mentalidade vai acontecer até que alguém comece o movimento.
Eu termino esse texto com um convite:
Chame uma colega para estudar contigo. Nem que seja uma vez na semana, nem que seja uma menina adolescente faixa colorida (que inclusive, costumam ser muito duras!), nem que seja num sábado.
Mas faça. Procure. Incentive. Seja o exemplo.
Nós só temos a ganhar.
Texto de Marcela Oliveira