Cintia não é uma atleta competidora nem profissional, mas é um exemplo para todos. Essa fisioterapeuta de 39 anos sempre gostou de praticar atividades físicas. Fez ginástica olímpica dos 4 aos 6 anos de idade, até que um acidente doméstico simples passou a impedir.
Numa brincadeira de criança, ao subir num banco para tentar alcançar a pia da cozinha para pular, sofreu uma queda que rendeu um traumatismo craniano com coágulo, levando-a a uma cirurgia.
Após 28 dias de UTI e mais 16 internada, restou uma dupla-hemiparesia com predomínio em membro inferior esquerdo e membro superior direito, ou seja, foram acometidos os quatro membros de forma heterogênea.
A hemiparesia é uma patologia dentro da deficiência física que causa perda de algumas funções de um dos lados do corpo devido à lesão cerebral. No caso dela, dos dois lados do corpo. Quando nos referimos à debilidade motora, nos deparamos com os problemas relacionados à motricidade fina e ampla.
Com a hemiparesia, as habilidades como marcha e o segurar de objetos do cotidiano é prejudicado e os movimentos não são realizados com precisão. A criança pode apresentar várias dificuldades motoras, mas não cognitivas. Tanto é que de tanto realizar sessões de fisioterapia, ela acabou se graduando fisioterapeuta em 2001.
Mesmo com tantas dificuldades, ela se manteve ativa. Se fazia necessário, além da reabilitação, alguma atividade física complementar. Fez natação, dança do ventre, até que decidiu ingressar no mundo das artes marciais.
A família a apoia 100% como possível. Seu marido, marinheiro, vem para São Paulo aos finais de semana, pois trabalha em uma Marina em Ubatuba. Cintia mora com o pai. Perdeu a mãe que era uma grande parceira em agosto de 2018. Quando folga aos finais de semana, ela vai à praia. Trabalha como fisioterapeuta numa UBS no Centro de São Paulo.
Treinou boxe há cinco anos com Rose Volante, atual campeã mundial. Na mesma época, tentou treinar jiu jitsu, mas a academia foi fechada, impedindo de continuar. Até que num treino com um primo em Ubatuba, conseguiu participar de alguns treinos esporádicos. Eram apenas aos finais de semana.
Finalmente, conheceu a academia do Mestre Tiago Alves, a Movimentum Jiu-Jitsu, e passou a ser aluna do Sensei Marcos Ryo. Fazia o aquecimento, mas ainda não conseguia ir para as lutas.
Devido à agenda, o professor não pôde dar continuidade às aulas, quando indicou a Sensei Andressa Souza. Hoje treina de duas a três vezes por semana em treinos personalizados. Já participou até de um treinão feminino e consegue lutar, aplicando posições e finalizações que facilitem sua mobilidade.
Hoje em dia, ela não faz mais sessões de fisioterapia, pois após muitos anos de lesão, mesmo a reabilitação chega a um limite em sua evolução. Daí para a frente, as atividades físicas são as mais importantes para manter a rotina e aumentar o grau de facilitação motora.
Cintia mora a uma quadra da academia, o que facilita muito a locomoção. Acha os treinos fantásticos e por todos os professores que passou sempre se sentiu motivada.
Perguntei o que a deixa mais animada em treinar jiu-jitsu:
“Me sinto muito feliz ao perceber que a cada treino eu descubro um movimento novo ou um músculo acordando. Isso para mim é sensacional, porque eu como fisioterapeuta, sei que uma sequela crônica dificilmente é “modificável”. Na verdade, é uma sequela, que pode ser moldável com abordagens específicas e com muita insistência. Não me considero atleta, mas sim uma pessoa apaixonada pelo esporte e pela vida.”
Nunca imaginou que conseguiria lutar, fazer um rola. Não acreditava que se concretizaria, mas agora que treina com mais intensidade e vê tudo o que consegue, tem até vontade de participar de uma competição.
Sua maior inspiração são seus professores que sempre mostram que é possível sim, que o jiu-jitsu é para todos.
Tudo o que eu faço é com empolgação e o jiu-jitsu não seria diferente, muito pelo contrário, estou cada vez mais encantada com a arte suave. E por isso, sempre falo com paixão sobre meus treinos, meus ganhos e minhas experiências. É fantástico você descobrir novas habilidades, novos movimentos e ter a certeza que você sempre pode mais!
Um verdadeiro exemplo a ser seguido. Quando bater aquela preguiça de treinar e você começar a achar que é falta de tempo, dores, lesões, uma gripe, os problemas, o chefe, lembre-se da Cintia.