Atleta da semana: Pedro Petry

Em 2016, o Comitê Olímpico Internacional permitiu que atletas transgêneros competissem nos Jogos Olímpicos sediados no Rio de Janeiro. Um importante passo para aqueles que buscam empreender grandes carreiras nos esportes e que encontravam, até então, dificuldades estruturais de participação nas competições. Um grande rebuliço, dessa forma, foi criado em torno da questão do transgênero, pois muitos acreditavam que haveria vantagens ou desvantagens para os outros competidores. (Fonte: Webrun)

Você sabe o que é um transgênero? O termo “transgênero” é usado para referir-se às pessoas que não se identificam e não se sentem confortáveis com seu sexo de nascimento, sejam elas homens ou mulheres. Para ser considerado trans, não é preciso ter passado por cirurgias de mudança de sexo ou por tratamento hormonal.

Para falar sobre essas questões, o atleta da semana de hoje é um pouco diferente. Dessa vez, diferente dos outros, em que sempre trazemos mulheres que despontam no esporte, trouxemos o Pedro Petry. O faixa marrom da Checkmat (onde treina com o mestre Sebastian Lalli) nos contou sua trajetória no jiu-jitsu e também sobre sua experiência como transgênero no jiu-jitsu.

A respeito das competições, ele, que sempre se arriscou, teve sua última participação no Curitiba Winter de 2016, ainda representando a categoria feminina, último campeonato antes de iniciar seu tratamento hormonal. Até esse período, no entanto, Pedro já garantiu inúmeras vitórias em campeonatos estaduais, Opens da IBJJF, brasileiros (CBJJ 2014, 2015 e 2016), Sul-americanos (IBJJF 2012 e 2015) e mundiais (IBJJF 2015 e 2016).

BGM: Conta pra gente sobre o seu início no esporte. Como você chegou até aqui? Por que treinar jiu-jitsu foi uma opção para você?
Pedro Petry: Comecei a treinar com 12 anos em Maringá, na época não sabia nem da existência do jiu-jitsu, queria treinar muay thai mas minha mãe achava muito violento e me deu duas opções que tinha na academia e que ela aceitaria, judô ou jiu-jitsu, fiz uma semana de cada e optei pelo jiu-jitsu. Um ano depois reprovei na escola, pois matava aula para treinar mais, e minha mãe me tirou da academia, retornei aos treinos 6 anos depois, com 19 anos.

BGM: Como foi seu processo de transição no quesito do esporte? Quais dificuldades você enfrentou nesse caminho?PP: Quando comecei a fazer o tratamento hormonal, parei de competir e essa foi uma parte bem difícil pra mim.

BGM: O que mudou no tatame junto aos seus parceiros de treino desde o início do seu processo de transição?
PP: Como disse anteriormente, meu processo de transição começou final agosto do ano passado, mas não contei para ninguém, tinha medo das reações. Como sempre tive uma imagem masculinizada não tive nenhuma mudança drástica ou ninguém deu muita bola para as mudanças físicas, fui contar quando ficou insustentável viver uma mentira por medo.

BGM: Na academia em que você treina, você encontra algum tipo de dificuldade que possa atribuir à sua condição?PP: Não, pelo contrário, me surpreendi positivamente com todos assim que contei, não mudou nada.

Pedro com seu professor Sebastian Lalli

BGM: As mulheres enfrentam diariamente inúmeros problemas no esporte, por ser ainda um espaço majoritariamente masculino, cis, heterossexual. Uma transição desse tipo pressupõe inclusive mudanças estruturais no esporte. Saber-se em um ambiente tão preconceituoso influenciou, de alguma forma, nas tomadas de decisão para o seu processo de transição?
PP: Sim, o fato de eu demorar tanto para contar para o pessoal da academia partiu desse pressuposto, é uma realidade no esporte em geral, por isso, também, me considero uma pessoa de muita sorte. Tive medo de qualquer tipo de preconceito e, quando não consegui viver mais daquela forma, coloquei na minha cabeça que teria que abandonar o meio social do jiu-jitsu e, com isso, os treinos, competições e amigos, pois quando contasse não teria espaço e sofreria preconceito. Então, quando contei, este ano, já estava com as malas prontas e passagem comprada para a cidade da minha família, recebi várias mensagens de apoio do pessoal da academia, me senti confortável e voltei algumas semanas depois. Trabalhei em algumas competições e tive contato direto com atletas de várias equipes e cidades, não tive nenhum problema até então.

BGM: Sabemos que há um grande preconceito com transgêneros no esporte, haja vista os casos de Isabelle Neris, no vôlei, e de Fallon Fox, no MMA, só para citar alguns. Qual é a sua opinião sobre os que acham que há “vantagem” no caso de uma competição?
PP: Para começar, o uso de hormônio em uma transição é completamente diferente do uso de hormônios em ciclos, a transição é feita de forma a equivaler os hormônios da identidade de gênero do indivíduo, acertando as doses de hormônios, espaçamento entre aplicações, fazendo exames periódicos para controle e estabilidade dos níveis hormonais.  Ou seja, o nível hormonal de um transexual normalmente estará dentro dos valores de referência nos exames. Sendo o nível hormonal o argumento de vantagem entre gêneros, a partir do momento em que você se enquadra nesses valores, qual é a vantagem? E ainda temos que levar em consideração o fator genético, afinal existem mulheres grandes e homens pequenos.

BGM: Há muitas dúvidas quanto à suplementação e principalmente quanto às questões hormonais por trás da condição trans, como você lida com isso? Atualmente, quais são as suas alternativas para lidar com essa questão.
PP: Faço tratamento e acompanhamento com endocrinologista, e por enquanto não existem muitas alternativas, a aplicação de hormônio deve ser feita a vida toda.

BGM: Já é possível que você compita no gênero masculino nas competições de jiu-jitsu?
PP: Estou no processo burocrático para a troca do meu nome nos documentos. Finalizado isso, irei regularizar minha filiação com a FPJJB e IBJJF. Voltarei a competir assim que possível, e pretendo, agora no masculino, baixar de peso. Não tem muito ao que adaptar, a adaptação é mais para as outras pessoas, eu sempre me senti assim, sempre me incomodou se referirem a mim em um gênero que nunca me senti pertencente, agora sim sinto que está tudo certo.

Nós, do BJJ Girls Mag, acreditamos que o jiu-jitsu é um esporte para todos e um lugar de igualdade, em que todos têm os mesmos direitos e deveres. Acreditar nisso é o que nos move. Conversar com o Pedro foi excelente pra mim, aprendi muito e sanei algumas dúvidas sobre o processo de ser trans no esporte. Além disso, espero que as palavras dele possam ser ouvidas por quem precisa. Quanto a isso, só posso dizer: Muito obrigada, Pedro! Que sua trajetória seja ainda mais iluminada e que você suba em muitos pódios por aí.

Oss.

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