Fala, galera! O Atleta da Semana de hoje recebe a Julia Boscher, faixa roxa do professor Leandro ‘Tatu’ Escobar, da Soul Fighters, no Rio de Janeiro. A Julia contou pra gente um pouco da sua rotina de treino, sua preparação para o Brasileiro Sem Kimono (seu último título) e sobre as mulheres no Jiu-Jitsu. Vale a pena conferir!
Desde sempre, ela praticava vários esportes e começou no mundo das lutas no Muay Thai. Muitas pessoas falavam sobre o Jiu-jitsu e ela decidiu tentar. Treinando há cinco anos, Julia se encontrou na arte suave e não parou mais. Começou a competir muito cedo, com poucos meses de treino, e teve a certeza que isso era o que ela queria para o seu futuro.
No último dia 23 de outubro, a Julia foi campeã (peso e absoluto) do Campeonato Brasileiro Sem Kimono, realizado pela CBJJ no Rio de Janeiro. Ela já vinha se preparando há cerca de um mês especificamente para essa competição, junto com os demais atletas da equipe. Mas não é só o treino de Jiu-jitsu que faz dela uma campeã. A rotina da faixa roxa é pesada. Além dos treinos, Julia faz preparação física e dá aulas junto com o faixa marrom e namorado Hugo Marques no novo núcleo da Soul Fighters. Segundo ela, a preparação física fez grande diferença na força, agilidade, gás e recuperação de uma luta para a outra. Porém, “é fundamental associar tanto o Jiu-Jitsu à preparação, quanto à musculação também, para evitar lesão”, destaca a atleta, sobre o papel da musculação na prevenção de lesões.
Recentemente, tivemos um texto aqui no portal sobre overtraining. Perto dos campeonatos, a Julia treina mais pesado, chegando a dar dois treinos de Jiu-jitsu por dia. Mas, principalmente na véspera da competição, ela enfatizou a importância do descanso e do respeito ao seu próprio corpo: “Acho que você tem que se conhecer, conhecer seu corpo. Acho importante você respeitar seu tempo, tanto de descanso, quanto de treino, alimentação, tudo. Saber dosar é fundamental”.
Quanto à alimentação, todo atleta sabe que ela precisa ser regrada, especialmente perto das competições. Muitos jovens querem sair, beber e aproveitar a vida dessa maneira, mas Julia disse que se levar a vida assim, sabe que não vai ter um bom rendimento e ser uma campeã. “Diminuir refrigerante, doce, tudo isso faz muita diferença na hora do treino. Se eu como mal durante a semana, não vou render tanto, fico mais cansada, mais pesada”, contou.
Há mais ou menos um ano e meio na faixa roxa, a atleta comentou que, às vezes, a derrota pode te ensinar mais que a vitória. Na faixa azul, ela costumava sempre ganhar os campeonatos e quando veio a graduação, a história mudou e chegou a passar por uma fase muito difícil, com a caída do rendimento. “Quando comecei a perder na roxa, vi exatamente onde eu estava errando. Ninguém é imbatível, é muito melhor às vezes perder do que ganhar. Na minha cabeça era natural, ‘não preciso mudar, está dando certo assim, vou continuar assim’. Na roxa vi que precisava mudar, treinar de outra forma”.
Julia Boscher coleciona títulos importantes como o ouro no World Pro UAEJJF 2015 (faixa azul), é 2x Campeã Brasileira, campeã do Rio Open, São Paulo Open, Floripa Open, fora os campeonatos regionais. Quanto à sua finalização preferida, a campeã destaca o famoso estrangulamento arco e flecha. Alguns de seus ídolos no esporte são Letícia Ribeiro, Mackenzie Dern, Leandro Lo, Romulo Barral e Rodolfo Vieira.
Hoje, é comum vermos muitos casais que treinam juntos e a Julia também vive essa situação. Além de treinar, ela e Hugo fazem preparação física e dão aulas juntos. Para muitos, pode ser difícil treinar com uma pessoa com a qual você tem tanta intimidade. Às vezes podem estar brigados e, mesmo assim, precisam estar juntos o dia todo. Mas a faixa roxa conta que hoje, mais maduros no relacionamento e no Jiu-jitsu, conseguem lidar muito melhor com essa situação do que no início, além de terem o mesmo ideal e se apoiarem um no outro em busca dele.
Sabemos que é difícil se dedicar exclusivamente ao Jiu-jitsu e começar uma carreira em um esporte que não tem tanto incentivo no Brasil. Julia sempre teve apoio da família, professores e amigos para apostar na arte suave, mas conta que no início foi difícil conseguir competir tudo, pois ainda não tinha patrocinador. “Eu pagava para ganhar uma medalha. Tinha que viajar para competir e voltar sem dinheiro nenhum, só gastava. Eu tinha condição, meus pais podiam me ajudar, meu mestre. Mas tem gente que não tem condição. Então a pessoa ama o Jiu-jitsu, quer viver disso, mas ela não pode, porque o Jiu-jitsu não dá esse retorno”.
Além da dificuldade do começo de carreira, algo que atrapalha especialmente as mulheres é o machismo no esporte, a diferença de premiações nos campeonatos e a desvalorização da mulher. Julia já ouviu, por exemplo, que se ela e o namorado abrissem cada um uma academia, ele teria mais alunos. Também já foi alertada por seu professor a respeito da diferença de olhar e reconhecimento por ela ser mulher, algo que não deveria existir no Jiu-jitsu nem em aspecto nenhum de nossas vidas. Ela reconhece que, apesar da diferença nas premiações, continua competindo pois é o que ama fazer, então acha que mais meninas poderiam competir, justamente para mostrar a força do Jiu-jitsu feminino, que está cada vez mais forte.
“A questão do machismo está muito presente no Jiu-jitsu, por ser considerado um esporte mais masculino. Mas, para mim, isso já acabou há muito tempo e as mulheres vêm mostrando isso”
Falando em mulheres na arte suave, Julia também comentou a divulgação da Atama de seus atletas no pódio do Brasileiro Sem Kimono. Dos cinco, quatro são mulheres. Isso é importante para “mostrar para o mundo do Jiu-Jitsu que a mulher ta aí. Não é porque é mulher que é mais fraca, não existe isso”, destacou.
Nós, mulheres, somos estimuladas a competir umas com as outras desde cedo, uma tem que ser melhor que a outra, todos querem ver briga de mulher e por aí vai. No Jiu-jitsu, isso também acaba acontecendo. Dizem que a rivalidade entre as mulheres dentro dos tatames é pior, que amizade entre as mulheres não é verdadeira como a dos homens. Realmente, em algumas academias, vemos algumas meninas que estimulam a rivalidade, muito por conta dessa mentalidade que já existe na sociedade. Mas esse não é o espírito do Jiu-jitsu. Segundo Julia, precisamos “quebrar esse tabu de que as mulheres não podem ser unidas como os homens. Jiu-Jitsu mostra que ninguém é melhor que ninguém. Hoje você pode ganhar de uma pessoa e amanhã ela te ganha. É importante mostrar que não é porque a gente é homem ou mulher que vai ser diferente”.
A atleta já iniciou sua caminhada para, futuramente, ser professora de Jiu-jitsu e acha muito importante mulheres estarem a frente de aulas e equipes da arte suave, para tirar a visão de que o nosso esporte é masculino. Ressaltou também que, não é por ser mulher que não tem a capacidade de liderar, de ocupar uma posição importante, como muitas pessoas pensam. “É um esporte que quero dar aula, quero viver disso. Vou ficar pensando que porque eu sou mulher, vou ter menos alunos que um homem? Não, sou boa, tenho a capacidade de ensinar, de ter alunos que gostam do meu trabalho. A pessoa que julgar que sou pior por ser mulher, então não quero na minha academia”, disse.
Como mulher e amante do Jiu-jitsu, é muito bom ver uma atleta tão focada e determinada quanto a Julia. E, mais importante, tão consciente sobre o importantíssimo papel da mulher no Jiu-jitsu. Sucesso para a Julia nessa caminhada, que o Jiu-jitsu feminino continue crescendo e sendo bem representado!
E você, quem gostaria de ver por aqui?