(A foto acima é meramente ilustrativa)
As fotografias não mostram muita coisa…
Talita morava longe da academia, pegava duas conduções para chegar ao treino, mas nem sempre tinha a sorte de tudo ocorrer no horário. Vanessa pegava carona com seu irmão que ia para a faculdade e a deixava na porta da academia sempre 20 minutos antes da aula.
Os horários de Talita, sempre preenchidos de trabalho e estudos, fora as obrigações da casa, lhe proporcionavam uma fadiga que, alguns dias, comprometiam o estado de humor e desempenho nas aulas de jiu-jitsu. Vanessa tem acompanhamento médico, nutricionista, patrocínio e preparador físico nos intervalos de treino. Apenas estuda, pois teve a chance de nascer numa família de empresários bem-sucedidos.
Talita tem dificuldades de perder peso, por conta de uma desnutrição que teve na infância. Sua família é assistida por um projeto do governo para auxiliar na renda familiar.
Durante alguns dias da semana, Vanessa visita obras de caridade à crianças, pois recolhe roupas e brinquedos na sua faculdade. Visita museus, restaurantes e cinemas. Compra livros, vai ao shopping. Aproveita bem o seu tempo livre ao lazer.
Talita vende doces no trabalho e na faculdade para complementar as despesas de xerox, transporte e permanência na academia. O sol da manhã adentra quase que todos os dias a janela do quarto das duas, iluminando a estante de livros de uma, e as fotos da outra. São brasileiras, faixa azul de jiu-jitsu. Mesma categoria mas, equipes diferentes.
Durante o final de semana haverá competição, Vanessa já está inscrita. O mestre de Talita emprestou o dinheiro para que ela pudesse pagar depois.
Chega o dia do combate, ambas se apresentam na pesagem, Vanessa tem um belo quimono com vários patches, são os nomes das empresas com as quais seu pai conseguiu parceria. Talita conseguiu de uma colega de treino um quimono emprestado. A amiga se machucou e não poderia ir a competição. Muito agradecida, ela jurou compensar a gentileza da colega com o melhor que ela poderia fazer.
O desempenho das duas no combate foi muito bom, o que lhes rendeu a disputa da final na categoria. Vanessa que tem problemas para controlar a ansiedade, deixou de se alimentar direito antes da competição. Na final, seu desempenho foi caindo, e Talita a cada movimento lhe surpreendia. Sempre atacando. As doses de adrenalina disparadas pela supra renal de Vanessa lhe fadigavam mais e mais…ela não resistiu a audácia de Talita, e bateu num triângulo muito bem encaixado.
Do lado de fora, alguns colegas ironizavam a Vanessa por se “entregar” no combate, por não se esforçar o suficiente. Talita era só alegria.
A fotografia no pódio expressava a felicidade e a euforia da vencedora e, um triste semblante da segunda colocada. Nas fotografias, muitas coisas não aparecem bem, poderíamos jurar que se tratavam de meninas de uma mesma realidade, mesmo esporte, tipo físico… As fotografias não falam muita coisa.
A fotografia não falou que na segunda-feira, enquanto Vanessa seguia ainda sentindo várias dores à caminho de sua aula de inglês, o pai de Talita perdia o emprego, e ela teria de largar os treinos e o jiu-jitsu.
Não falou que na competição posterior, Vanessa procurava por todos os lados sua obstinada adversária. E sem achar, ocupou o lugar mais alto do pódio… A fotografia era outra. Não falou que Vanessa fez tratamento contra sua ansiedade. E que se questionou muito a falta daquela guerreira.
Não mostrou a dor de Talita, em ter que largar o esporte. E o mesmo sol que aquecia as costas de Vanessa em seu cochilo, antes de sair para a aula, refletia na fotografia do pódio, no quarto de Talita. Refletia na medalha daquele dia… O mesmo sol, pessoas diferentes, realidades e oportunidades diferentes.
O truísmo de uma simples imagem nunca irá refletir nossas complexidades.
As fotografias não mostram muita coisa.