Como já discutimos em alguns textos, as atividades esportivas, especialmente de lutas, sempre foram restritas às mulheres. Por se tratar de uma atividade de combate e contato constante. Olhando o fenômeno amplamente, a história nos relatará um interesse em domesticar as mulheres, fortalecer a feminilidade, cabendo assim a elas atividades mais simples e delicadas. Um tabu que vamos superando pouco a pouco na nossa sociedade.
A masculinidade exacerbada sempre acompanhou o Jiu-jitsu desde sua origem, seja nos corpos dos praticantes, na filosofia de treinamento dos “cascas grossas” que superam a dor e a mutilação de seus corpos, seja na história dos fundadores com seu exército de filhos e a ideia da criação de uma tropa de samurais brasileiros. Isto sempre serviu para afastar indiretamente, alguns públicos interessados em se aproximar da arte suave.
Encaramos um período em nossa sociedade de abertura de espaços e pensamentos receptíveis a esta população, muito embora esta lógica caminha em alguns casos, a passos muito curtos. Todavia, vivemos um momento ímpar. A abertura dos debates de um público que divide sua luta ao mesmo tempo com a luta das mulheres, e fica inevitável não tratar mais da pauta LGBT nos esportes de combate.
Olhando para os dados demográficos de pesquisas sobre LGBTS no país, o número de homens que assumem ser homossexuais está entre 7,8% da população, 2,6% bissexuais, para um total de 10,4%; 4,9% das mulheres diziam-se lésbicas e 1,4% bissexuais, para um total de 6,3%. (Pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo).
São números relevantes, e que nos convida a reflexão sobre acesso e receptividade deste público em nossa atividade esportiva, muito embora tenha-se a certeza que estes já fazem parte de nossa arte suave. Mas de que maneira? Como anda a relação e recepção dos LGBTS num ambiente a pouco tempo restrito e masculinizado? Se olharmos do ponto de vista capitalista ou liberal, estes são consumidores em potencial e devem e podem ter acesso ao produto vendido pelas academias. Do ponto de vista humanista, são seres que precisam se apropriar do que foi produzido por seus semelhantes.
Alguns eventos pelo mundo e no nosso país nos trazem uma certa preocupação ao tratamento para com os LGBTS. Em 12 de Junho deste ano, um atirador invadiu a boate Pulse em Orlando, na Flórida, deixando 50 mortos. No Brasil, um estudante da UFRJ foi encontrado morto com sinais de espancamento, próximo ao alojamento de estudantes. Diego Vieira Machado era estudante de letras e defensor assumido das causas LGBTS. Segundo pesquisas, 318 LGBTS foram assassinados no Brasil em 2015, o que equivale a um crime de ódio a cada 27 horas. Todos estes crimes carregam em sua causa a aversão a homossexuais ou homofobia (Manifestação de ódio a LGBTS).
A objetividade destes dados vem se aproximando cada vez mais em intervenções que faço em escolas ou na universidade. Cada vez mais o público me questiona sobre a possibilidade de praticar o Jiu-jitsu como defesa pessoal. Sempre há um caso de um estudante que sofreu violência ou um amigo/parente que foi vítima. Uma mulher com sua namorada no bar é assediada e sofre represarias por ser lésbica, um homem trans sente o pavor de ser estuprado no campus universitário… Em vários casos, surge a necessidade de praticar a arte suave por conta de sua precisão em momentos de dificuldade. Não quero dizer com isso que o Jiu-jitsu vai servir de vacina contra a homofobia, o problema é estrutural. Porém, devido ao imediatismo de proteger a integridade física e moral, serviria de último recurso. Mas uma questão que sempre vem à tona: Como serei aceito?
Trago-lhes a reflexão diante de um problema que afeta vários seres humanos cotidianamente. Nosso esporte sempre se relacionou com os problemas sociais de nossa época e sempre pregou a vitória do mais fraco sobre o mais forte. Seria o Jiu-jitsu contribuinte neste processo de exclusão? Ou seremos visto historicamente, como os que fizeram a diferença? Como você encara a opção sexual das pessoas dentro do nosso esporte?
Oss!
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/intersecoes/article/view/4620/3418
https://www.brasildefato.com.br/2016/07/04/estudante-negro-e-lgbt-e-encontrado-morto-na-ufrj/
https://grupogaydabahia.com.br/2016/01/28/assassinato-de-lgbt-no-brasil-relatorio-2015/
https://homofobiamata.wordpress.com/quem-somos-3/homofobia-e-crime/