O ginásio já está quase cheio, poucos são os lugares para se alocar. Logo é chamada a categoria para a pesagem e o atleta tem que se apressar, largando suas mochilas e sacolas, pegando o foco no objetivo que é vencer a competição. Na arquibancada ficam mães, namoradas, esposas, irmãs, mulheres que acompanham esta dura jornada que são as competições amadoras por todo o país e o mundo. Algumas competições mais organizadas, outras, nem tanto. São horas e horas a fio, transmitindo seus pensamentos positivos, suas ansiedades, nervosismo, alegria, compreensão, gritos e suspiros durante os combates.
Algumas pesquisas cientificas pontuam o quão é importante a presença de pessoas próximas no processo de formação do atleta competidor. “Os aspectos psicológicos do desenvolvimento de talentos esportivos se referem àquelas características e fatores emocionais, cognitivos e psicossociais presentes no treinamento a longo prazo, tais como motivação e apoio social (da família ao treinador, entre outros) e também prazer e alegria, expressando o nível de satisfação presente nos processos de desenvolvimento”.
Salienta Markunas (2005) no artigo Judocas olímpicos brasileiros: fatores de apoio psicossocial para o desenvolvimento do talento esportivo (Massa, Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.24, n.4, p.471- 81, out./dez. 2010). O preparo psicológico do atleta é parte fundamental no seu treino, em alguns casos, determinante. Os treinos em sua maioria, priorizam o aspecto físico, tático e técnico. Pouco se aproveita desta parte do treinamento esportivo.
Olhando por outro ângulo, estas mulheres, que em muitos casos trabalham e abnegam do seu dia de lazer para acompanhar os atletas, possuem filhos, o que torna o processo mais cansativo e desgastante, nos fazendo pensar no quão é importante a organização e o andamento de uma competição. Quanto mais atrasos houverem, mais tempo estas pessoas terão que perder do seu dia de descanso. Outro aspecto a ser observado pelas organizações de eventos competitivos do Jiu-Jitsu é a estrutura que se realiza o evento. É necessário pensar cada vez mais em como receber os acompanhantes dos atletas. Banheiros, lanchonetes acessíveis, lixeiros em vários pontos.
Pelo olhar do atleta, é muito bom perceber o acompanhamento da família naquilo que foi escolhido como modalidade esportiva. Principalmente, se tratando de atletas amadores. O Jiu-Jitsu sofre de alguns problemas sérios como o quesito patrocínio. O desconhecimento sobre nossa arte, decorrente da falta de divulgação da mídia e o fantasma dos Pitboys, (fenômeno que assolou algumas cidades brasileiras, onde alguns praticantes causavam confusões em bares e boates ainda é muito pesado).
Fora o apoio da família, o apoio da equipe e sobretudo, do professor é de suma importância no processo de preparação psicológica e também durante as lutas. Recebemos toda semana depoimentos de atletas que tem uma equipe, mas que não tem ninguém para acompanhá-los (como é o caso das equipes Cicero Costha e Alliance, cujas equipes estão sempre presentes torcendo e mandando energia positiva para os seus respectivos competidores).
Muitas vezes vão sozinhos, visto seu amor por competir e representar a equipe, mas não tem ninguém para torcer, para gritar e principalmente orientar seus atletas em combate. Imagine você, sozinho, entrando em uma área de luta – sem ninguém para te orientar. E então o seu adversário tem uma torcida enorme, gritando para ele, torcendo, fazendo algazarra… qual seria sua reação, ao se ver sem ninguém para pelo menos te levar uma água entre uma luta e outra? É bem complicado. A presença de pessoas próximas é de suma importância durante os combates, principalmente se o atleta perde. Quem ele vai abraçar quando ganhar ou perder?
Geralmente, as inscrições para competições amadoras pesam no bolso dos atletas. Este cenário causa uma certa tristeza e insegurança e muitos desistem das competições por estes fatores. O apoio familiar torna-se um alicerce, uma base. Quando olho para minhas medalhas e títulos, no Judô, Jiu-Jitsu e Karatê penso muito no quão foi importante a participação de minha família nesta longa caminhada.
A atleta Lorena Dattoli, da Associação Atlética Feirense, que acompanha seu marido, irmão e seu filho em competições nos fez um relato sobre seu apoio:
“Quando os meninos abrem a internet e comentam sobre um novo possível campeonato á vista, eu já imagino em minha mente duas coisas: a dinâmica de preparação de apoio no ginásio e meu trabalho psicológico para aguentar mais uma série de ataque de nervos. O apoio que procuro dar como mulher que tem marido, irmão, filhos e grandes amigos nestes campeonatos, começa antes mesmo do grande dia chegar, para que eles foquem em seus treinos e aprimorem mais ainda as técnicas aprendidas nas aulas voltadas á competição.
Por longos anos acompanhando os meninos, eu determinei uma rotina de preparação específica. Com filho pequeno, meu trabalho era dobrado. Para a parte dos meninos, as famosas sacolas de suprimentos e para o bebê, leites, água, fraldas e mais fraldas além de muita técnica para mantê-lo entretido por horas e horas naquelas arquibancadas lotadas e muitas vezes sujas. Sim! Muitas vezes sujas, sem banheiro adequado, sem apoio para alimentação adequada e muito atraso nos cronogramas.
Minha rotina como companheira dos meninos foi mudando ao longo dos anos em que nosso filho foi crescendo e as faixas dos meninos também foram mudando. Ainda chego aos ginásios hoje e percebo algumas meninas, mulheres vivendo a mesma fase que já vivi há alguns anos atrás: uma correria amontoada de coisas e sentimentos.
Percebi também o quão é variado o perfil de minhas companheiras de ginásio. As meninas mais vaidosas que se vestem e se maquiam de maneira bem detalhada, as que vestem a camisa da equipe do atleta, e ainda sim, as mães, com olho nas sacolas dos meninos e na correria das crianças. Mas todas nós, independente de qualquer coisa, na hora da luta, nós gritamos… e gritamos muito…(risos) Eu particularmente saio rouca e muitos coordenadores e árbitros já me lançaram aquele olhar do tipo: “nossa, como essa menina grita! “
Há tantas lembranças e experiências vividas nesses anos todos de campeonatos… Viagens pela noite, pneus furados, dormidas em hotéis “estranhos” (risos), brigas e choros por resultados que julgávamos injustos…Mas o importante mesmo é quando sentimos que nossos guerreiros de tatame nos valorizam por tudo o que fazemos e o que somos ao lado deles. Afinal, ao lado de um grande atleta competidor, há sempre uma grande companheira que o apoia incondicionalmente, passando por situações que não são fáceis para nenhuma de nós. “
Quando olho para minhas medalhas e títulos, no Judô, Jiu-Jitsu e Karatê penso muito no quão foi importante a participação de minha família nesta longa caminhada. Muitas vezes, carregando o Luigi com um ano de idade, no braço ou na cadeirinha. Passando horas no aguardo das lutas, filmando, gritando. Mas vi também outras mães, namoradas, irmãs, cunhadas, trazendo um afago na vitória ou na derrota, participando, torcendo, gritando. São personagens que não sobem ao pódium na hora da premiação, não aparecem nas fotografias dos jornais, mas constituem cada momento de raça, glória e perseverança de muitos atletas competidores.
REFERÊNCIAS
MASSA, Judocas olímpicos brasileiros: fatores de apoio psicossocial para o
desenvolvimento do talento esportivo. Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v.24,
n.4, p.471-81, out./dez. 2010
TEIXEIRA, A. C. E. M. . Sobre lutadores e "pitboys": a experiência da violência entre
jovens de classe média e alta do Rio de Janeiro. Cadernos de Segurança Pública , v. 1,
p. 4-13, 2010.