Isso nunca vai acabar? O machismo no jiu-jitsu

Machismo no jiu-jitsu: tudo começou dentro de um podcast. Um professor faixa preta participando. Outros três participantes, e uma revelação grotesca. O abuso sexual dentro dos tatames ainda é algo normalizado. Até quando?

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É uma droga precisar escrever mais uma vez sobre isso. Eu paro aqui e fico pensando: em que momento, nós como sociedade, falhamos tão absurdamente?

Todo ano ALGUNS casos de abuso sexual envolvendo nosso esporte são divulgados e a vergonha que isso causa não dá pra mensurar.

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Muito se fala no crescimento do jiu-jitsu feminino e, de fato, está crescendo, mas eu gostaria de entender até que ponto nossos corpos vão ser vistos como algo “à disposição” das vontades dos homens? 

Machismo no jiu-jitsu: um problema a ser combatido

Será utopia pensar em um cenário onde no mundo será seguro ser mulher? Porque nesse exato momento ainda parece uma realidade muito distante.

Dia desses eu fiz uma mudança de casa, e eu estava sozinha para fazer o processo de carga e descarga. Contratei um frete e junto com o “senhor” do frete, vieram dois ajudantes. 

Pois bem, pelo fato de eu estar sozinha (sem um homem do lado), pareceu uma boa ideia para o tal “senhor” me assediar, afinal, se eu não estou com um homem, então isso significa que eu estou disponível para “ser de alguém”, na concepção desses arr@ombados.

Embora esse caso não tenha uma ligação direta com o jiu-jitsu, existe algo em comum: a ideia de que se uma mulher está solteira ou sozinha, ela se torna uma “porta aberta”, onde entra quem quer, afinal ela não tem dono, não é mesmo?

Os abusos sexuais dentro do esporte decorrem da ideia de que mulheres que estão no tatame – se não forem casadas -, são como um terreno vazio e disponível a ser ocupado, e quem chegar primeiro pode levar. 

O machismo no jiu-jitsu permite que homens em posição hierárquica superior, como professores e faixas pretas, se utilizem dessa autoridade para impor ou induzir mulheres a ceder, incluindo mulheres ainda adolescentes.

Quando falamos em adolescentes, devemos lembrar que o termo “novinha”, tão disseminado pela cultura do funk e da periferia, se refere justamente à meninas muito jovens, vistas como fisicamente aptas à manter relações sexuais. E isso não passa batido no tatame. As “novinhas” são alvos em academias nas quais a conduta dos professores não é um critério de avaliação.

O tal podcast de jiu jitsu

O machismo no jiu-jitsu também aparece nas falas irresponsáveis e perigosas que escutamos por aí. Essa semana, por exemplo, tivemos acesso às declarações de professor de jiu-jitsu em um podcast, nas quais ele diz:

“Isso acontece muito né, de envolvimento de professor com aluna, e eu não vou falar sobre isso mas, tem professor que fica com adolescente. Se a adolescente se apaixonar, vai dar rolo”.

Nessa fala, o tal “professor” basicamente culpabiliza a adolescente. Ele normaliza a ideia de que “professor fica com adolescente” e coloca a culpa do fato de “dar rolo” na adolescente que não deveria se apaixonar.

Em seguida, ele sexualiza o esporte com outra fala completamente infeliz:

“Só que o jiu-jitsu já é um esporte que mostra um contato muito parecido sexualmente, é posição que… o cara fica doidinho ali, quem não entende vê aquilo dali e “oxe, minha filha tá treinando com um homem daquele jeito””.

Esse tipo de comentário só reforça o machismo no jiu-jitsu, reduzindo a prática da arte marcial a um fetiche masculino e invalidando o esporte como espaço legítimo para mulheres.

O podcast se segue e o apresentador questiona outro participante sobre se o mesmo “deixaria” sua esposa treinar jiu-jitsu, e o participante então responde refletindo basicamente a fala problemática exposta pelo professor, inclusive fazendo uma “piada” de cunho sexual, dizendo depende do professor, que teria que “medir lá pra ver se ele tem uma jibóia grande”.

O machismo no jiu-jitsu é uma das principais barreiras para o crescimento saudável e seguro do nosso esporte. Um professor, que deveria ser autoridade dentro do contexto, se posiciona de forma totalmente não condizente com os princípios da arte marcial, disseminando informações que além de inúteis, ainda são prejudiciais e problemáticas para o crescimento saudável do nosso esporte.

Qual a solução então?

Impedir sua filha ou esposa de treinar? Não acreditamos nisso. Acreditamos em um cenário no qual o respeito prevaleça, independente do sexo de cada um. Acreditamos em ambientes seguros para as nossas mulheres. Acreditamos num crescimento saudável do jiu-jitsu. E por fim, acreditamos que quanto mais esse tipo de situação for exposta, mais teremos poder de mudança dentro do nosso esporte.

Para os pais: é importante que pesquisem por academias que valorizam a conduta correta do professor para além do tatame. Que peçam indicações para outras mulheres, e que de preferência, escolham academias onde existam professoras mulheres também.

Para as academias: é IMPRESCINDÍVEL que comece a ser adotado dentro do processo de escolha dos professores a análise da ficha corrida do professor, pesquisar antecedentes além de solicitar indicações e possíveis boatos sobre ele. Além disso, é obrigação da academia avaliar se a conduta do professor condiz com os princípios do jiu-jitsu. E é preciso que as academias entendam a importância de impulsionar lideranças femininas criando turmas mistas, para crianças e para mulheres ministradas por uma mulher.

Cada academia que normaliza esse tipo de situação, que passa pano para abusador, tem participação, mesmo que indireta, nesses casos de abuso. Saibam que estão com as mãos sujas. 

Por fim…

Infelizmente ainda temos diversos casos de abuso relacionados a professores de jiu-jitsu, mas nós como uma comunidade feminina, lutamos diariamente para que notícias desse tipo sejam cada vez mais raras.

O número de professoras, felizmente está crescendo cada vez mais, e acreditamos que nós mesmas seremos o motor que irá promover essa mudança. 

Queremos mais academias abertas por mulheres. Queremos mais Nikas e mais Kyras dentro do cenário do jiu-jitsu. E elas estão chegando. E nós estamos ansiosas pelo que o futuro reserva para nós.

Vale lembrar que o professor em questão postou um vídeo de esclarecimento, pedindo desculpas por suas falas. O atleta também perdeu o patrocínio da MXA Sports, além de sofrer medidas disciplinares pela Nova União PE.

Caso esteja procurando um lugar seguro para colocar seus filhos, fale conosco, sempre temos boas indicações de academias.

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