Conhecendo a história da defesa pessoal feminina, negra e LGBT

Quando iniciei com meus projetos de defesa pessoal feminina e LGBT os questionamentos críticos eram: “Vamos começar uma guerra, então?”, “Daqui a pouco vamos armá-las também?”, “Acredito que seria mais interessante o estímulo ao diálogo, não vejo como bom ensinar mulheres a sair batendo em todos por aí.” Do outro lado as estatísticas continuavam a dizer: somos o país com um dos piores índices de violência contra mulheres, LGBTS, de desenvolvimento humano de mulheres negras.

Como podemos ver, o simples e necessário ato de procurar uma forma de se proteger é colocado em questionamento, em vez da violência que essas pessoas sofrem. Como se ensinar técnicas de defesa pessoal fosse iniciar um conflito desnecessário entre “iguais”, trazendo risco à “paz social”.  Essa reação sempre me deixou intrigado e eu precisava de alguma resposta mais aprofundada para compreender como isso tem relação com a exclusão de mulheres e LGBTS nas lutas.

E foi no livro da filósofa francesa Elsa Dorlin Autodefesa, uma filosofia da violência, da Ubu editora, que pude observar a origem do controle de conduta de alguns grupos, em nossa sociedade, seja pelo direito ou nos corações e mentes, desenvolvendo-se mecanismos que impeçam ou criminalizem a reação à violência sofrida, e pior, tornando o processo de reação cansativo e humilhante.

A autora fez uma pesquisa histórica muito rica, trazendo elementos que falam da origem da autodefesa, direito ao porte de armas, cultura de autodefesa de escravizados, Panteras Negras. Além de um tema que é de extrema relevância para nós do Jiu-jitsu: o movimento das sufragistas inglesas. Nas palavras da autora foi a referência na história constelar da autodefesa moderna, pois, é o marco feminista de passagem para a violência como consequência lógica de um Estado que oprime as mulheres.

Em síntese, todos esses grupos citados tomaram como resposta para situações injustas as mesmas formas em que as instituições, que não poderiam tratá-los de forma violenta, fizeram. Usaram do conhecimento das artes marciais, em alguns casos, para poder além de se defender, reagir a algumas injustiças, se organizar, treinar e adquirir o autocontrole proporcionado por, no caso das sufragistas, o jiu-jitsu.

Foi muito importante para mim como professor de Judô/Jiu-jitsu compreender que alguns questionamentos a respeito da defesa pessoal para mulheres e LGBTS não surgem da preocupação do risco de causar um conflito armado, ou um início de um guerra entre os “sexos” ou gêneros. Surge da ideia construída há tempos que algumas pessoas podem ser violentas e isso é “compreensível”, como também, surge da naturalização da violência permissiva apenas por, como disse no início, o Estado ou os homens, detentores de alguma propriedade.

Devemos sempre pensar que o conceito de violência é usado para censurar mulheres que reagem de alguma forma a abusos, aos grupos que reagem ao preconceito e perseguição, e que algumas pessoas já “nascem” com a estigma de serem violentos, por sua cor de pele, sendo assim, negados de serem aceitos ou vistos como pessoa que possui direitos humanos. Tudo faz parte da mesma lógica de controle, segundo a autora.

Muito embora não seja um livro que trate do conteúdo prático do jiu-jitsu ele discute filosoficamente sobre temas que abordamos e trabalhamos dentro da arte suave. Uma oportunidade de melhorar a visão a respeito da autodefesa, de forma aprofundada. A autora cruza os dados históricos com importantes temas do feminismo universal, nos fazendo descobrir histórias silenciadas. Uma boa pedida para os estudos fora do tatame, lembrando que o conhecimento teórico também faz parte do treinamento.

Para interessados, meu exemplar foi adquirido no site da Ubu editora.


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