Relações de dominação e cultura do estupro

No mês que comercialmente se comemora o dia das mães, tivemos nossa rotina perturbada por dois casos de crimes sexuais bárbaros e desumanos, como todos são. Que refletem a relação adotada por nossa sociedade entre gêneros, que não desfrutam historicamente da mesma condição em vários aspectos. Duas jovens, menores de idade foram estupradas por mais de um criminoso em dois estados do país, Rio de Janeiro e Piauí.

Graças à mobilização de grupos feministas e ativistas virtuais, estes crimes ganharam a atenção da grande mídia, que muitas vezes contribui para a propagação de uma cultura que vamos discutir, apresentando alguns fatos históricos que respondem o porquê de chegarmos ao ponto de jovens terem seus corpos violados sem autorização.

Numa pesquisa bem senso comum do Google, podemos observar o conceito de cultura. Precisamos deste para que se torne mais claro o entendimento: “significa todo aquele complexo que inclui o conhecimento, a arte, as crenças, a lei, a moral, os costumes e todos os hábitos e aptidões adquiridos pelo ser humano não somente em família, como também por fazer parte de uma sociedade da qual é membro”. A cultura da dominação está congruentemente relacionada a todas situações que foram apresentadas no conceito.

Não é muito raro ver em casa, pais e irmãos que condenam as roupas de suas filhas, irmãs e esposas. Também é comum flagrar casos de abuso nas ruas, com aqueles comentários acerca do corpo da mulher, como se ele fosse um produto (o velho “fiu-fiu”, ou “gostosa”, chamados de “microviolências”), quando não basta os termos pejorativos, alguns vão as vias de fato ou contato físico. Numa balada, não é raro ver um imbecíl puxando uma garota pelo braço, ou pelo cabelo.

Em resumo,

A cultura do estupro é uma construção que envolve crenças e normas de comportamento, estabelecidas a partir de valores específicos, que acabam banalizando, legitimando e tolerando a violência sexual contra a mulher. A maioria dessas normas está calcada na noção de que o valor da mulher como ser humano está atrelado a uma lista de condutas que envolvem, frequentemente, uma moralidade relacionada à sexualidade. (Ana Freitas, para o NEXO)

Todas estas situações se dão de forma natural por alguns veículos de comunicação ou em propagandas, basta lembrar da campanha de uma conhecida marca de cerveja que, solicitava que as mulheres esquecessem o não em casa, ou a campanha que mostra uma mulher de pernas fechadas que, ao observar uma joia, ela abre-as. Não esquecendo a Bela, recatada e do lar, que praticamente direciona o local e atitude da mulher. Há também uma relação de objetificação nestes meios, da mulher sensual, sempre à disposição do homem quando for necessário.

Isso se torna cultural, vai perpetuando e educando os indivíduos a este tipo de relação de dominação do homem sobre a mulher. E sempre existirá aqueles que levam este tipo de dominação e superioridade ao extremo.

E esse extremo chama-se violência, estupro. Ninguém educa um filho para ser estuprador, mas criamos meninos imbuídos de um sentimento de superioridade. Não atentamos para aquilo que cotidianamente pode transformá-los em pessoas que praticam ou compactuam com a violência contra a mulher. Esses detalhes do dia a dia também reforçam nosso hábito de culpar a vítima: a saia curta, o batom vermelho, o decote. “Mas ela estava sozinha”, “estava bêbada”, “estava drogada”, “estava no lugar errado”, “estava dando em cima do cara (Vivian Alt, para Revista Carta Capital).

Questões que cercam os crimes, tais como a análise do passado da vítima, o esmiúce de sua vida anterior ao crime ou a roupa que vestia quando foi atacada são exemplos da vivacidade da cultura do estupro. O mesmo ocorre quando, por exemplo, a Polícia dá dicas de como se proteger de estupradores, as dicas são, geralmente, para evitar tais lugares ou roupas ou comportamentos. Deveríamos mesmo sermos julgadas por isso?

O fato de muitas pessoas permanecerem admiradoras de, principalmente, pessoas famosas mesmo após tantas evidências de que houve, de fato, uma violação sexual, enquanto as vítimas são demonizadas e criticadas também é uma forma de culpar a vítima (que, muitas vezes, é a única também algoz de seu sofrimento).

Se permanecermos calados diante destes abusos ou dos comentários desrespeitosos maquiados por “piadinhas”, que reduzem a imagem da mulher, estes acontecimentos não deixarão de aparecer vez ou outra. O nível de preocupação que atribuímos ao caso do dia 27 se duplica no sentido que, não bastasse a barbárie cometida, o criminoso ainda postou o crime em rede social, como uma mercadoria, um troféu por sua “conquista”.

Vale lembrar que não é de hoje que a submissão da mulher é “principio” na sociedade patriarcal, do grego pater, governado pelo patriarca, resquício da colônia portuguesa em nosso país. Em uma sociedade movida por esta teoria, ainda tão arraigada entre nossos costumes), tudo gira em torno da satisfação deste senhor, principalmente a mulher, que perde seus laços de consanguinidade com seus parentes ao se juntar ao marido. A intenção é que se mantenha a herança direta de pai para filho, na qual fica indiscutível a paternidade. Abre-se também neste modelo o direito ao homem da infidelidade conjugal, “Quando a mulher, por acaso, recorda as antigas práticas sexuais e intenta renová-las, é castigada mais rigorosamente do que em qualquer outra época anterior” (Engels, 1884).

A jurisprudência também está moldada a este padrão, motivo pelo qual muitas leis ainda a favorecem, como é o caso da lei que permitia que o homem exigisse a anulação do casamento se descobrisse que a sua esposa não era mais virgem (lei que só deixou de existir em 2001, um passado muito recente, mas que ainda nos assombra. Basta observar os fatos contemporâneos que são reflexos práticos do modelo citado. Uma professora foi morta pelo marido na Bahia, por supostamente estar falando com um desconhecido num aplicativo de celular. Bastou a simples desconfiança de ameaça a sua “honra” para acabar com a vida daquele ser humano. Mas não estamos em 1884, estamos?

É por estas e outras que enfatizamos a prática do jiu jitsu não só como esporte ou hobby, mas como defesa pessoal, como já falamos por aqui.

Outras referências

A origem da família, da propriedade privada e do Estado

Quatro suspeitos de estupro coletivo no PI são soltos

A sociedade patriarcal

Professora morta pelo marido no Pará

Cultura do estupro, não imagine!

Todos nós vivemos em uma cultura do estupro

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