
Hoje tivemos o prazer de conversar com Débora Dante, psicanalista há mais de 10 anos, escritora e palestrante, que atende atletas de Jiu Jitsu em todo o Brasil e ajuda lutadores a entenderem o que acontece na cabeça antes, durante e depois das lutas. Confira:
BGM: O que a psicanálise pode oferecer para ajudar o atleta de Jiu Jitsu?
Débora: A psicanálise permite que o atleta compreenda seus conflitos internos, elabore a ansiedade, organize a agressividade e fortaleça a subjetividade. Isso se traduz em presença, decisão, técnica fluindo e menos interferência emocional no momento crítico da luta.
BGM: Como o trabalho de psicanálise entra na rotina do profissional de Jiu Jitsu, de forma que saia da teoria?
Débora: O desempenho do atleta é também profundamente emocional. Toda luta é também psíquica.
A psicanálise trabalha exatamente com o que trava o corpo: medo, pressão, perfeccionismo, pulsões, repetições e fantasias inconscientes. O atleta que se conhece luta melhor.
BGM: Como a agressividade aparece no Jiu Jitsu?
A agressividade é uma força vital. Quando reprimida, vira ansiedade, trava ou autocobrança destrutiva.
Quando elaborada, vira potência, estratégia e presença, e a psicanálise ajuda o atleta a canalizar essa força, não a temê-la.
BGM: Por que alguns atletas travam só em competição?
Débora: Porque a competição ativa fantasias profundas: medo de falhar, de perder amor ou validação, de ser humilhado, de repetir traumas. Na clínica, esses conteúdos são trabalhados e o sintoma deixa de governar o corpo.
BGM: O que leva um atleta a se autossabotar?
Débora: Culpa inconsciente, medo de crescer, dificuldade em lidar com reconhecimento, lealdade familiar, fantasia de punição. A análise dá nome a isso, para que ele não lute mais contra si mesmo e se permita evoluir, se autorize a ser um campeão.
BGM: Como a psicanálise ajuda a lidar com as derrotas?
Débora: A derrota é uma experiência narcísica intensa. Trabalhar o luto da derrota evita que o atleta repita padrões, se sabote ou perca a confiança. A partir daí, a técnica volta a prosperar.
BGM: Existe diferença entre tratar um atleta e uma pessoa que não vive o Jiu Jitsu?
Débora: Sim. O atleta vive sob alta exposição, disciplina extrema, cobrança interna e externa.
Na análise, ele encontra um espaço onde pode existir além da performance, o que, paradoxalmente, melhora a performance.
BGM: Como o medo de decepcionar impacta o desempenho do atleta?
Débora: Quando um atleta carrega o medo de decepcionar, o corpo até parece que está em campo, mas a mente está ocupada demais tentando não falhar. Esse esforço silencioso pesa, bloqueia e fragiliza. É como se cada movimento viesse acompanhado de um olhar interno crítico, que não permite leveza.
O medo de decepcionar costuma nascer de exigências antigas, muitas vezes invisíveis. A pessoa tenta corresponder a expectativas de treinadores, família, equipe, público e, sem perceber, perde a conexão com seu próprio desejo, e o desempenho passa a ser obrigação.
BGM: De onde vem a ansiedade pré-treino ou pré-luta?
Débora: A ansiedade pré-treino ou pré-luta costuma nascer de um lugar interno em que o atleta tenta prever o que ainda não aconteceu. É o medo de não corresponder, de falhar diante de alguém importante ou de reviver antigas exigências. O corpo reage antes mesmo do evento, porque a mente está lutando com expectativas que vão muito além do esporte.
BGM: Como trabalhar a confiança depois de treinos ou competições frustradas?
Débora: Quando uma competição ou um treino não saem como você esperava, a confiança costuma se recolher, como se precisasse se proteger. E é justamente aí que nasce o trabalho mais valioso: o de reconstruir o seu próprio olhar sobre si.
A confiança volta quando você consegue transformar o erro em informação, não em identidade.
Ela cresce quando você reconhece o que sentiu, compreende o que te travou e recupera o direito de tentar de novo.
Na clínica, vamos acolher a frustração, sem pressa, revisar o que aconteceu com honestidade e sem se punir.
A partir disso, percebemos quais expectativas eram reais e quais vinham de exigências antigas. Assim, caminhamos para recuperar pequenas evidências de capacidade, mesmo que sejam simples, e voltar ao treino com presença, não com cobrança.
Na terapia analítica, trabalhamos para que o atleta reencontre a própria voz interna, aquela que sustenta, que não julga e que lembra que uma queda não define o caminho. A confiança não volta de um dia para o outro. Ela é reconstruída aos poucos, quando você se permite ser humano e seguir em frente.
A importância do processo terapêutico para praticantes de jiu jitsu
Encerrar essa conversa com a Débora é quase como sair de um bom treino, com a cabeça mais leve e coisa pra pensar. Ela lembra que, mesmo para quem tem uma rotina saudável dentro do Jiu Jitsu, o processo terapêutico é uma parte importante do cuidado com a mente e com a carreira. Treinar forte é fundamental, mas entender o que te move, o que te trava e o que te sabota é o que sustenta você no longo prazo.
Débora, obrigada por essa contribuição tão necessária para o nosso universo do Jiu Jitsu.
Se você leu essa entrevista e sentiu que faz sentido para a sua história, quiser conversar ou saber mais sobre o acompanhamento, é só chamar no link do WhatsApp e falar direto com ela.



