
Se você treina há algum tempo, assim como eu, provavelmente já viu isso acontecer muitas vezes: mulheres que começam animadas, mas que, em poucos meses, somem do tatame. É um padrão tão comum que muitas nem estranham mais. Mas por que isso acontece? E, principalmente, como a gente pode mudar essa realidade dentro da nossa própria equipe?
Hoje eu quero conversar com você sobre esse tema que é muito mais profundo do que parece. Estatisticamente falando, as mulheres possuem maior probabilidade de abandonar o tatame em comparação aos homens. Fatores como sobrecarga doméstica, cuidado com o marido e filhos e jornadas exaustivas de trabalho pesam demais nessa decisão. A vida das mulheres quase sempre envolve múltiplas jornadas, e é muito comum que essas jornadas sejam encaradas sem uma rede de apoio.
No artigo que escrevi uma vez sobre “Onde estão nossas professoras?”, eu toco num ponto importante que é interessante de ser relembrado: para cada homem presente no tatame, existe uma mulher em casa segurando tudo para que ele possa ter esse momento dele de treino.
Mas quem se preocupa em proporcionar esse momento para as mulheres?
Outros fatores que muitas vezes não damos a devida atenção e que também afastam as mulheres do tatame são: o ambiente, o receio por uma lesão, a falta de mulheres no tatame e o receio pelo contato físico.
Falta de apoio emocional e acolhimento no tatame
Quando uma mulher entra na academia, ela geralmente é minoria. E o ambiente que ela encontra ali vai determinar se ela vai ficar ou não. Um treino pesado não assusta uma mulher determinada, mas desrespeito, piadinhas e sensação de exclusão sim.
Muitas vezes, a mulher chega empolgada, mas não encontra acolhimento nem mesmo das próprias mulheres presentes ali.
Os colegas não a chamam para treinar, olham estranho quando ela chega, ou o professor não possui uma didática adaptada para iniciantes. Tudo isso cria um ambiente hostil que, aos poucos, vai minando a vontade de continuar.
E isso não significa “passar pano” ou tratar essa mulher como frágil. Significa respeitar o tempo de cada pessoa e fazer com que ela se sinta parte do grupo. Porque ninguém gosta de estar onde não se sente bem-vinda.
Medo de se machucar ou parecer “fraca” treinando jiu-jitsu
Esse medo é real e é muito comum entre as mulheres, principalmente no início. Por várias razões: peso corporal menor, força menor que a média masculina, insegurança com as técnicas ou até com a própria forma física.
Quando o treino não é adaptado para iniciantes, é fácil se machucar ou sair sempre dolorida demais, o que desmotiva. Da mesma forma, algumas mulheres têm medo de machucar seus colegas, principalmente quando pegam posições de raspagem ou finalizações. Isso gera insegurança e vergonha, e muitas acabam preferindo não treinar.
Um ponto essencial aqui é o papel do professor nessa dinâmica. Ele precisa ensinar didaticamente, sem pressa, corrigindo posturas, incentivando treinos graduais e mostrando que o jiu-jitsu é, sim, para todos, porém cada corpo tem seu tempo de adaptação.
Falta de representatividade feminina
Outro motivo que faz muitas mulheres desistirem é não ter referências femininas no esporte.
Ver outras mulheres fortes, graduadas, competindo, ensinado e, principalmente, sendo respeitadas como faixa-preta muda completamente a visão que a iniciante tem do jiu-jitsu.
Por isso, se você já é graduada ou treina há algum tempo, seja essa referência. Converse, acolha, explique detalhes simples que para você hoje são óbvios, mas para elas não. Incentive outras mulheres a continuarem. Às vezes, um “eu também passava por isso no começo, mas depois melhora” já faz toda a diferença.
O temido contato físico no jiu-jitsu
Existem muitos motivos que podem fazer com que a mulher tenha receio de contato físico: histórico de abuso sexual, violência domêstica, traumas envolvendo situações com mulheres da família…
Esse ponto não pode ser ignorado. O jiu-jitsu é um esporte de muito contato, posições coladas, com homens que muitas vezes as mulheres nem conhecem direito. Se o ambiente não for respeitoso, isso vira motivo de desconforto e, muitas vezes, de desistência.
Já presenciei situações de mulheres que saíram do tatame chorando porque se sentiram invadidas ou constrangidas. Por isso, é fundamental que os professores falem sobre respeito no treino e que a equipe como um todo tenha consciência do que pode ou não pode.
A academia deve ser um ambiente que também funcione como rede de apoio, com outras mulheres que compartilham suas dores e conquistas. É essencial para que ela sinta que ali é o lugar dela também.
O que podemos fazer para mudar essa realidade?
✅ Se você é professor(a): promova conversas sobre o tema, incentive um grupo feminino, explique técnicas de forma didática e torne o ambiente o mais acolhedor possível.
✅ Se você é aluna graduada: receba bem as iniciantes, seja exemplo de força e respeito, seja a referência que você gostaria de ter tido quando iniciou.
✅ Se você é iniciante: saiba que você não está sozinha. Converse, pergunte, peça ajuda. Não tenha vergonha de dizer que está com medo ou insegura. E procure academias que tenham outras mulheres, peça indicações. Isso faz diferença no início.
O jiu-jitsu é um esporte incrível, que transforma vidas, autoconfiança e corpo. Mas ele ainda tem muito que se adaptar para ser, de fato, um espaço inclusivo para todas nós.
Se cada um fizer sua parte, vamos ver cada vez mais mulheres ficando, graduando e subindo no pódio: porque lugar de mulher é onde ela quiser, inclusive no tatame.
A saída não é desistir, mas adaptar!
Muitas meninas saíram de academias diversas vezes até achar um lugar acolhedor. Não tenha medo de parecer “desleal” ou até “creonte” como muitas pessoas no jiu-jitsu dizem. Busque indicações, referências, e principalmente academias que tenham mulheres mais graduadas treinando e dando aulas. Seu jiu-jitsu vai agradecer!
Leia também:
– Dificuldades para voltar a treinar após ser mãe
– Preguiça de voltar a treinar? Vença essa sina!
– 7 Dicas para você parar de perder alunas no jiu-jitsu
Gostou desse papo? Compartilha com as amigas de treino e vamos juntas fortalecer o jiu-jitsu feminino.
Precisando de um kimono novo? Acesse o site da VOUK BRASIL e garanta o seu, usando o cupom BGM10