Relatos De Um Kimono: Ep.1 – Exame de Faixa Preta – Transcrição

Oie GENTE! Samanta aqui, sou criadora do Bjj Girls Mag e só pra contextualizar, eu criei esse podcast inspirada no podcast Não Inviabilize, da Deia Freitas, e decidi adaptar a ideia para o jiu jitsu. Para quem não conhece, o Não Inviabilize traz várias histórias de pessoas comuns, e ela comenta e tal, conta as histórias e eu achei tudo muito legal e resolvi adaptar pro nosso esporte.

Porque eu vejo que o que todo mundo faz é: chamar um cara famoso no esporte (e não tem problema nenhum nisso, tá) e aí entrevistar o cara, bater um papo e tal, e eu queria fazer uma parada diferente, sabe? 

Nosso esporte é 90% amador, e por isso, o ouro tá naquelas academias de bairro mesmo, nos projetos sociais, no jiu jitsu não profissional. E é isso que eu quero contar por aqui, histórias do dia a dia que você não ve por ai!

E hoje, quero contar a história da Camila. Gente, toda história aqui eu vou contar anonimamente, afinal, eu não quero processos nem pra mim nem pra quem me escreve kkkcry. 

Então, vamo lá! 

A Camila já era faixa preta de jiu jitsu e faixa marrom de judô, ela mora numa cidade do interior de São Paulo e estava ali, se preparando pro exame de faixa preta de judô. 

A maioria já deve saber que o processo é caro e chato, mas vou explicar no detalhe. Para começar, é necessário ter dois anos de federação na faixa marrom, e tem que pagar R$ 336,00 a taxa anual para 2024.

Depois, precisa começar os cursos obrigatórios.  Todos os cursos também são pagos e caros. O primeiro capacita o judoca a trabalhar nas competições de judô. Esse trabalho é obrigatório e não remunerado, para somar pontos necessários para o exame. Esse primeiro é o mais barato, custa em torno de R$ 200,00, e tem um outro nesse mesmo valor. Os outros dois, são preparatórios para o exame, e cada um custa em torno de R$400,00. Além do valor dos cursos, tem os gastos com transporte, alimentação, tanto para os cursos quanto para as competições.

Até aí, gente, já foi uma pequena fortuna, né? Só de curso preparatório vai R$1200,00. Depois de tudo isso, você envia toda a documentação para a FPJ avaliar se está tudo ok. 

Detalhe: essa avaliação também é paga, ok? Algo em torno de 500,00.

GENTE 500,00 SÓ PRA AVALIAR SE A DOCUMENTAÇÃO ESTÁ OK!!

 Se estiver tudo ok, recebe o boleto para o pagamento do exame: mais R$ 1200,00

E aí, a Camila contou que começou os cursos em março de 2015, e na semana seguinte já estava trabalhando como estagiária. Em abril, seu marido foi afastado pelo INSS, e era só ele empregado na casa dela, e então, adivinha? Os médicos do INSS entraram em greve um dia antes da data marcada para a perícia dele.

Perícia, para quem não sabe, é a avaliação dos médicos do INSS, para ver se você precisa mesmo de um afastamento e está apto a receber o benefício.

Então imagina a situação: o marido da Camila em casa, doente, sem renda e sem perícia. Ela então começou a dar aulas de judô no mesmo mês, a escola teve problemas com a documentação e o pagamento dela atrasou quase 4 meses. Gente!

A perícia dele só aconteceu em abril do ano seguinte. Foi um ano que eles viveram de ajudas e empréstimos. Mas, mesmo assim, ela conta que ele a apoiou muito para que ela não desistisse do exame.

Segundo ela, foi um ano bem complicado, pois quase todos os finais de semana desse ano ela estava ou em curso ou em competição trabalhando. Ela disse: “Sam, eu quase não vi minha família nesse período”

Além de toda a tensão do ano, no dia 26 de setembro, seu irmão sofreu um acidente no trabalho e faleceu. Pensa, gente, um mês antes do exame. Exatamente quando ela tinha combinado com o seu Uke (pessoa que cai, para mostrar as posições de judô) que treinaríamos todos os dias para o meu exame.

Então gente, ela largou tudo e foi ficar com seus pais. Ela disse que ou estava com eles, ou estava em casa, chorando. Meu mundo acabou. Ela disse: “Sam, eu só me perguntava porque ele e não eu.”

Ela ficou bem mal 🙁 

E aí o tempo foi passando e durante todo o ano de 2023 ela correu atrás de tudo para o exame sozinha, e com mais alguma ajuda de amigos. Ela conta que o seu sensei é tão ultrapassado, e ela diz que falar dessa forma não está desrespeitando ele, já que ele não apoia ninguém para o exame.

Segundo ela, ele fala que esse processo todo é só uma forma da federação tirar dinheiro dos outros, e que não se aprende nada. Ela disse: “Óbvio que ele está errado, ele ensina golpe errado até hoje”.

Gente, aqui eu tenho que fazer um adendo: toda federação tem um jeito de tirar dinheiro dos atletas. Aliás, federações, academias etc e no judô não é diferente, infelizmente. Sobre não aprender nada nos cursos etc eu não posso opinar, mas sim, infelizmente se paga muito pouco na profissão (pelo menos no Brasil) e se exige muito dinheiro para que você tenha uma formação e possa atuar. 

Uma semana antes do exame, mesmo precisando do dinheiro, ela pagou e foi treinar com seu Uke. Eles treinaram duro de segunda a quinta, e no domingo foram para São Bernardo, para o dia tão esperado do exame.

Ela conseguiu o transporte da prefeitura e (KKK) ainda dividiu o lanche com o motorista.

Chegando lá, é um ginásio né, grande, com o tatame e tal, e lá cada um tem um número, e é assim que eles chamam para fazer o exame.

Até aí tudo bem, ela foi chamada, apresentou tudo que pediram, sem dúvidas e de forma bem feita.

Quando ela saiu do tatame, outros senseis que ela fez amizade vieram parabenizá-la e tal, e também alguns amigos que ela fez ao longo desse ano e que também estavam lá para o exame.

Aí gente, ela disse que quando alguém erra o suficiente para ser reprovado, eles chamam pelo número na mesa e conversam sobre os erros, oferecendo uma segunda chance: apresentar novamente ali mesmo, ou na próxima semana na sede da federação.

E aí, a cada número chamado é uma tensão enorme. E ela não foi chamada. Gente, imagina! O coração dela já estava acelerado só aguardando o momento de receber a faixa.

E aí, todos foram chamados a quadra. Todos sentados, e aí começaram a chamar em ordem alfabética para o grande momento: receber a faixa e o certificado.

Pasmem: o nome dela passou batido. Esperou, esperou e nada. Gente, ninguém acreditava, sério. 

Ela contou que bateu o desespero e foi atrás ver o que aconteceu. A resposta que ela recebeu foi: “se não te chamaram é pq vc não foi aprovada.”

Gente!! Pensa que loucura!

E aí ela pediu para rever a prova, pq sequer a chamaram na mesa. E mesmo assim não conseguiu, pq falaram que só o sensei dela poderia fazer isso, mas ele não foi junto com ela. E aí outro sensei, que ajudou ela nos cursos,  vendo seu desespero, foi atrás.

Gente, vcs tão sentados: no fim das contas, PERDERAM A PROVA DELA 🤡🤡🤡🤡

E aí ofereceram pra ela a “gentil chance” de refazer o exame na semana seguinte.

E aí gente, ela conta que nesse momento, ela desistiu do judô, bateu a vontade de jogar tudo pro alto.

E gente, não é pra menos né?

Para Camila foi um ano difícil demais, sofrido, dolorido, sem apoio, e totalmente dedicado ao judô. A decepção foi grande demais, ela sofreu muito…

E aí ela voltou pra casa, né? Fazer o quê. Ela conta que até o motorista, que não é do judô, ficou inconformado com o que aconteceu.

E aí os amigos não deixaram que ela desistisse, né, o marido, e no fim ela decidiu que ia mais uma vez fazer o teste. Continuou treinando e tal, e no domingo, lá estava a Camila de novo. 

E gente, um detalhe importante: ela não estava nervosa. Ela só pensou: se passar, ótimo. Se não, desisto de vez. E olhando pra tudo que ela passou, não tem nem como discordar, né?

Aí beleza, chegou o grande dia, ela fez tudo, não estava se sentindo tão tensa e nem tão preocupada. E ela passou! Uhuuuu E de lá, ela foi para a festa de aniversário do seu sobrinho, filho do irmão dela, que faleceu um mês antes. E com certeza, o irmão dela estaria muito feliz por ela. 

E aí ela conta que no final, meu sensei que é quem deveria mais ter apoiado ela, falou na academia que ela não passou pq ela não tinha capacidade para isso, que ele sabia que eu não passaria.

GENTE!! Já odeio esse homem, nem conheço ele mas já odeio.

E ele ainda disse que ela mentiu falando que sumiram com minha prova. Como pode, né? 

Ela conta que nunca mais conseguiu treinar o judô como ela treinava antes. Ela passou a se dedicar a estudar o judô, fazendo vários cursos e hoje nem treina mais. Só dá aula para crianças e adolescentes.

Muito triste isso, né, gente? Eu comecei a treinar no judô e eu amava, mas no pouco tempo que treinei, tive um sensei tão podre como esse, se duvidar, até pior.

Não sei, acho que toda essa “formalização” do judô com todo esse tradicionalismo, só torna esse esporte uma coisa podre, onde a podridão vem dos próprios senseis.

Mas enfim, um dia conto minha história com o judô.

Hoje a Camila é voluntária em um projeto dentro de um bairro muito pobre e abandonado da cidade dela. As crianças de lá não tem nada, nem esperança. E o judô, junto com outras atividades desse projeto, tem transformado a vida delas.

E ela dá aula também em um outro projeto numa outra cidade próxima, dentro de uma comunidade, de frente para a “biqueira”. Biqueira para que não sabe é ponto de venda de drogas. 

Ela conta que lá foi um pouco mais tenso, até ela pegar confiança do pessoal, foi bem difícil, ela morria de medo. Agora, eles a recebem com muito carinho e tem fila de espera para o judô.

Enfim, gente, é essa a história da Camila, eu espero que tenham gostado e é isso! Eu volto em breve.

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