Defesa pessoal não é só golpe: sobre a importância do jiu-jitsu para o empoderamento feminino

Muito se fala na comunidade do jiu-jitsu sobre a defesa pessoal e a sua importância, seja para mulheres, crianças, homens, enfim, todos os praticantes da arte suave. Mas não vemos tantas academias assim dando a devida importância para o ensino da defesa pessoal. O jiu-jitsu esportivo vem ganhando cada vez mais força e muitas pessoas esquecem das origens e da essência da nossa arte e dos principais valores que devem ser ensinados.

É, inclusive, mais fácil para um iniciante começar seu aprendizado com movimentos da defesa pessoal. Uma simples defesa de tapa, por exemplo, faz muito mais sentido para alguém que nunca treinou jiu-jitsu do que uma raspagem da guarda aberta. Aos poucos o jiu-jitsu esportivo vai sendo inserido, junto com a defesa pessoal, com essa preocupação de fazer sentido para quem está aprendendo (e que aquela pessoa entenda porque está fazendo tal movimento).

Falo isso porque observo a forma como meus professores ensinam o jiu-jitsu e a seriedade com que eles passam a defesa pessoal, da mesma forma que o jiu-jitsu esportivo. E, claro, baseado na minha experiência não só no tatame, mas em tudo. A forma como o jiu-jitsu influenciou (e continua influenciando) vários aspectos da minha vida.

Jiu-jitsu para a vida

Esses dias me peguei pensando em uma coisa que mexeu muito comigo. Na minha equipe temos uma turma feminina e a irmã de um parceiro de treino foi treinar pela primeira vez nessa turma. No fim do treino ficamos sabendo que ela foi porque recentemente perdeu uma amiga vítima de feminicídio. Foi algo que a fez pensar bastante e a levou até o jiu-jitsu.

Geralmente, nas primeiras aulas, aprendemos mais a defesa pessoal em si do que o jiu-jitsu esportivo. E foi isso que ela fez na primeira aula. Situações de defesa e contra ataque em casos de agressão ou perigo. Ela conversou com o professor que estava dando a aula e contou o que tinha acontecido.

Conversamos no final do treino e ele falou sobre a importância do jiu-jitsu e da defesa pessoal para a nossa vida, não só dentro do tatame. Isso me levou a pensar e falar (para ela e as outras meninas que estavam no treino) como eu mudei depois de ter começado a treinar.

Não é só sobre dar golpes

O jiu-jitsu me deixou muito mais confiante de mim mesma e da minha força. Minha postura diante das outras pessoas mudou, minha autoestima melhorou. Não falo isso da boca para fora, é realmente nítido o quanto eu me sinto mais forte depois que o jiu-jitsu entrou na minha vida.

Quando falo mais forte, não é força física, necessariamente (apesar de ter essa parte também). É a minha força interior, sabe? É pensar “caramba, eu sou capaz de fazer isso sim!” E, principalmente, é não ter dúvidas de que eu sou uma mulher forte, porque muitas mulheres passam por isso diante de uma sociedade machista. Duvidam de sua capacidade, sua força e de que podem fazer o que quiserem.

Não é sobre sair dando golpe de defesa pessoal nos outros na rua. Sabe aquele ditado “é melhor saber e não precisar, do que precisar e não saber”? É mais ou menos assim. Mas o mais importante de tudo continua sendo a mudança interior e o processo de empoderamento que uma mulher pode vivenciar quando começa a treinar jiu-jitsu.

Nós por nós: a importância da sororidade

Uma coisa que o jiu-jitsu também me ensina é sobre sororidade. Eu já tinha o feminismo muito forte e presente na minha vida, mas praticando uma arte marcial a gente vê as coisas com outros olhos também. Em uma sociedade que incentiva a rivalidade feminina e num esporte em que isso pode se aflorar mais ainda, ver mulheres cada vez mais unidas dentro e fora do tatame é incrível!

Voltando ao que me motivou a escrever esse texto: ter uma mulher que perdeu a amiga vítima de feminicídio no tatame, treinando com a gente, nos faz enxergar o quanto essa rede de apoio é importante.

No final do treino eu e mais uma amiga ficamos um tempo conversando com ela, falando sobre essa força que o jiu-jitsu nos dá, sobre feminismo, cultura do estupro, machismo e mais um monte de coisas. Saber que mais uma mulher foi vítima do machismo nos deixou revoltadas, mas poder ser um ponto de apoio para aquela amiga, conversar sobre o assunto, e entender que não podemos ficar mais caladas nos dá um ar de renovação para continuar nessa luta.

Acima de tudo, nos dá força para entender que juntas somos muito mais fortes.

Ela deixou um depoimento depois de ter ido no treino e compartilho aqui com vocês:

O que me motivou a fazer a aula de jiu-jitsu, além do meu irmão também lutar, foi pelo luto de uma querida amiga, a Magó, que foi violentada sexualmente e morta por estrangulamento. Depois de pensar em muitas coisas, comecei a ler um pouco sobre machismo, estupro e conclui que nós mulheres não temos nenhuma cultura de autodefesa aqui no Brasil e imagino que em muitos lugares do mundo. Sei que o jiu-jitsu me daria um conhecimento que me possibilita me defender em alguns casos, visto que somos muito vulneráveis a qualquer violência física por parte dos homens.

Cheguei numa aula para mulheres, e estar entre mulheres é algo muito natural pra todas nós, então me expôr nessas ocasiões é muito mais fácil, então compartilhei a história com o mestre, que ao fim da aula compartilhou com todas. Foi muito bom sentir a sororidade das meninas que estavam na aula, um abraço, um apoio, aprofundar na conversa pós aula e saber que se sentem empoderadas emocionalmente e psicologicamente pela luta. E sinto que esse é o movimento que precisamos ancorar na sociedade: empoderamento feminino através de todos os meios e espaços, como o jiu jitsu é uma ferramenta na esfera da autodefesa e de tantas outras coisas que só praticando pra entender.

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