Pesquisando um pouco sobre a história do jiu-jitsu feminino, encontrei uma história que literalmente me tirou o fôlego. Talvez você não saiba quem foi Edith Garrud ou ainda não tenha ouvido falar no termo Suffrajitsu, mas certamente deve conhecer a história das sufragistas, um grupo de mulheres britânicas que protagonizou um movimento de luta em reivindicação ao direito ao voto para mulheres no século 20. O que eu não fazia ideia era que o jiu-jitsu teve um papel importantíssimo nessa luta.
Por muito tempo, as sufragistas se manifestaram pacificamente, o que não evitou com que sofressem grande violência e intimidações, chegando a serem agredidas, empurradas e jogadas no chão. Toda essa violência gerou um incentivo à revidação. A frustração com a falta de sucesso de suas campanhas fez com que as militantes recorressem a atos mais extremos, que incluíam desobediência civil e agressões físicas, resultando em conflitos cada vez mais violentos.
Mas dentro dessa história existe um nome caído no esquecimento: Edith Garrud, uma das primeiras instrutoras de artes marciais do mundo ocidental. E foi justamente durante o período do sufrágio que ela se tornou instrutora de jiu-jitsu da Women’s Social and Political Union – WSPU (União Social e Política das Mulheres), passando a ensinar integrantes do movimento a se defenderem das agressões não apenas da polícia, mas de civis homens que as agrediam durante suas manifestações.
Edith Garrud era casada com William Garrud, um instrutor de ginástica, boxe e luta livre. Os dois conheceram o jiu-jitsu ao participarem de uma aula com o instrutor Edward William Barton-Wright, fundador da Bartitsu, e a partir de então, começaram a estudar a arte com Sadakazu Uyenishi, um dos primeiros instrutores japoneses a ensinar jiu-jitsu fora do Japão. Sadakazu retornou ao Japão em 1908, e então o casal assumiu a instrução no seu dojo.
Durante o sufrágio, o casal foi contratado pela WSPU para uma demonstração de jiu-jitsu, mas William adoeceu na ocasião e Edith foi sozinha para a reunião. No entanto, ela estava acostumada a apenas fazer as demonstrações durante as aulas, enquanto William falava, mas a líder da União, Emmile Pankhurst, a encorajou a falar. E foi a partir de então que Edith se tornou instrutora de algumas das integrantes do grupo, passando a dar aulas exclusivas para as sufragistas.
O jiu-jitsu se tornou uma arma perfeita para a situação, havia uma relação incrível entre a luta social da WSPU (que tinha de lidar com forças maiores e mais fortes: governo e polícia) e a luta física das sufragistas. A verdade é que para a época, seria (e foi) surpreendente que mulheres fossem capazes de responder fisicamente às agressões e demonstrar tanta resistência. Uma charge intitulada “A sufragista que conhece o jiu-jitsu” chegou a ser publicada pela revista Punch, na qual aparecia um desenho de Edith sozinha, em pé, diante de vários policias. Já a revista Health and Strenght publicou uma sátira com o título “jiu-jitsuffragettes” e o termo suffrajitsu passou a ser usado com frequência.
Com a aprovação da lei Cat and Mouse Act em 1913 – que consistia em libertar prisioneiros em greve de fome e prendê-los novamente assim que sua saúde se recuperasse, Edith formou e treinou com jiu-jitsu o “guarda-costas”, um grupo de aproximadamente 30 mulheres dedicado a proteger Emmeline Pankhurst e outros líderes de serem presos. O grupo era encarregado de tarefas mais perigosas, então se armavam com tacos de madeira indianos que escondiam embaixo de seus vestidos para revidar aos cassetetes de policiais. Infelizmente, a polícia conseguiu capturar Emmeline Pankhurst durante um discurso, uma dura batalha entre a polícia e as guarda-costas foi travada. A verdade é que a polícia conseguiu ganhar em números, foram cerca de 50 policiais contra 30 sufragistas, mas ainda assim, os policiais enfrentaram uma grande dificuldade em dominar o grupo, o que demonstrou a proporção de sua eficiência.
Edith Garrud era uma mulher de apenas 1,50m de altura, mas foi justamente a ênfase do jiu-jitsu no uso de técnicas para derrotar oponentes maiores que despertaram o seu interesse pela arte. Ela se tornou uma das primeiras instrutoras femininas de artes marciais no Ocidente. Edith e suas alunas continuaram lutando pelo direito ao voto, até estourar a Primeira Guerra Mundial, na qual as sufragistas passaram a concentrar seu apoio. Infelizmente, Edith e suas alunas e a história de como mulheres inglesas usaram o jiu-jitsu para lutar pelo direito ao voto caíram no esquecimento. Seus nomes foram de grande importância para o protagonismo de luta e resistência das sufragistas, mas a história de quem atuou como coadjuvante dificilmente é contada.
Assim tem se tornado o jiu-jitsu atualmente na vida de muitas mulheres, um ato de luta e resistência. Nossas histórias nem sempre são contadas, mas todas nós temos algo pelo o que lutar e resistir: vida social, profissional, estudos, família, filhos, saúde. E muitas de nós encontramos no jiu-jitsu um refúgio de onde tiramos força para todo o resto, um refúgio que nos faz sentir resistentes, capazes e independentes. Não se trata apenas de uma arte, se trata de um estilo de vida, se trata de algo que nos muda por inteiro, que nos muda pra melhor e nos ajuda a conquistar o nosso lugar.
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