Repatriação entre países: STF decide que violência doméstica pode impedir retorno imediato de crianças ao país de origem

O Supremo Tribunal Federal (STF) firmou, no último agosto, uma nova tese que traz avanços importantes para casos de repatriação de crianças entre países, sobretudo em situações em que existam indícios de violência doméstica. 

Anúncio

A decisão ocorre no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4245 e 7686, que questionavam dispositivos da Convenção da Haia sobre restituição internacional de crianças.

O que decidiu o STF

  • A Corte entendeu que essa exceção é compatível com a Constituição Federal, especialmente com os princípios do melhor interesse da criança (art. 227) e com a proteção dos direitos da mulher.
  • Também ficou decidido que deve haver prova ou indícios objetivos, que não necessariamente sejam provas absolutas, para demonstrar o risco físico ou psíquico ou uma situação que se torne intolerável no país de origem.

Qual a base legal: Convenção da Haia e Constituição

A Convenção da Haia de 1980, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 3.413/2000, regula aspectos civis da subtração internacional de crianças. Um de seus artigos (art. 13, alínea “b”) já prevê exceções ao retorno imediato quando houver risco grave à criança — físico ou psicológico — ou uma situação intolerável.

O STF reforça que essa previsão internacional deve ser aplicada com base no princípio constitucional do melhor interesse da criança, que prioriza proteger crianças de situações de risco, garantir seus direitos básicos e resguardar sua integridade.

Principais mudanças na prática jurídica

  1. Nos processos que envolvem a devolução de crianças para outro país, o direito de defesa precisa ser garantido. Isso significa que quem pede o retorno da criança terá que apresentar seus argumentos, e a mãe ou responsável poderá mostrar provas de que existe violência no caso.
  2. Esses processos devem ser mais rápidos, para que as crianças não fiquem em uma situação de incerteza por muito tempo. O STF determinou que a decisão final sobre a volta ou não da criança ao país de origem precisa ser tomada em um prazo razoável.
  3. Os juízes terão que analisar provas concretas, como testemunhos, documentos e registros, que indiquem a existência de violência doméstica. Essa violência pode ser contra a mãe ou ocorrer de forma indireta, mesmo que a criança não tenha presenciado os atos.

Por que isso importa

  • Proteção de mulheres e crianças: A decisão reconhece que a violência doméstica, ainda que focada na mãe ou sem que a criança tenha sido testemunha direta, pode gerar riscos graves para ambos. Esse reconhecimento amplia a proteção legal.
  • Equidade de gênero: A compreensão de que a vulnerabilidade das mulheres em contextos domésticos pode afetar a segurança de crianças demonstra uma abordagem com perspectiva de gênero. Isso ajuda a enfrentar desigualdades estruturais. 
  • Segurança jurídica e direitos processuais: Garantias como ampla defesa, prova de indícios objetivos, contraditório, tornam o procedimento mais justo. Não será mais possível exigir repatriação automática em todos os casos.

Pontos de atenção e desafios

  • Verificar o que constituirá “indícios concretos” em cada caso vai depender de julgamento individual, pois nem todos os indícios terão o mesmo peso.
  • Os prazos para tomada de decisão precisarão ser respeitados, mas isso depende de estrutura judiciária e recursos humanos.
  • O entendimento nacional precisa se harmonizar com tratados internacionais, práticas de outros países e doutrina jurídica.

O que muda para famílias e interessados

  • Pais ou responsáveis que fugiram de violência doméstica terão respaldo jurídico para requerer que o retorno de crianças não seja automático ou imediato.
  • Advogados, defensores públicos e promotores terão nova base legal para proteger mães vítimas de violência doméstica ao contestar pedidos de repatriação.
  • O CNJ foi instruído a criar um grupo de trabalho interinstitucional, com proposta de resolução para dar mais rapidez aos processos de restituição internacional.

A decisão do STF é um passo importante na proteção das crianças e também dos direitos das mulheres, mesmo em casos que envolvem outros países.

Agora, a violência doméstica pode ser usada como argumento legal para evitar que uma criança seja enviada de volta ao país de origem, desde que haja provas concretas, análise com perspectiva de gênero e que todas as partes tenham direito de defesa e de apresentar seus argumentos.

Para quem atua no direito de família, na proteção internacional de menores ou em políticas de proteção à mulher, essa decisão traz mais segurança jurídica para lidar com casos delicados. Para as famílias em situação de risco, é uma proteção extra que pode fazer muita diferença na vida real.

Posts relacionados