Girls in Gis: conheça o projeto de jiu jitsu feminino que roda os EUA. Entrevista com shama Ko

Estávamos ansiosas por essa entrevista na qual Shama Ko, fundadora do projeto Girls in Gis, fala sobre seu processo no jiu-jitsu, os desafios de construir uma comunidade feminina e o poder da união entre as mulheres no tatame.

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Se você treina jiu-jitsu e é mulher, provavelmente já ouviu falar do projeto Girls in Gis, que volta e meia mencionamos no nosso Instagram. Criado para unir, inspirar e fortalecer mulheres no tatame, o movimento cresceu e se tornou uma das maiores comunidades femininas do jiu-jitsu mundial.

Inclusive é importante destacar que o projeto Girls in Gis inspirou o nosso tão amado projeto Conexão BJJ, então é muito importante que essas iniciativas sejam cada vez mais disseminadas e promovidas, pois dessa forma nosso esporte só tem a ganhar.

Nesta conversa exclusiva, Shama Ko — faixa-preta e fundadora do Girls in Gis — compartilha sua história, fala sobre os desafios do início e reflete sobre como a união entre mulheres pode transformar o cenário do esporte.

Início no jiu-jitsu

BJJ Girls Mag: Shama, você treina há mais de 20 anos. Quantos anos você tem de faixa-preta?

Shama Ko: Tenho quatro anos de faixa-preta. Foram 20 anos até conquistá-la, comecei a treinar em 2003, quando tinha 24 anos.

BJJ Girls Mag: E o que te motivou a começar no jiu-jitsu?

Shama Ko: (risos) Na verdade, o jiu-jitsu não me interessava nem um pouco no começo! Eu nasci e cresci no Havaí, onde o jiu-jitsu é algo muito comum. Todo mundo pratica, tipo: “surf ou jiu-jitsu?”. Mas eu nunca fui uma pessoa atlética. Era aquela criança que fazia gol contra no futebol!

Comecei a me envolver por influência de amigos que treinavam. Namorei um deles, e ele me dizia que eu precisava aprender a me defender. Eu dizia “mas eu tenho vocês pra me proteger!”, e ele respondia: “não vamos estar sempre por perto”. 

Então comecei no Muay Thai, e depois de alguns anos, acabei indo a uma aula feminina de jiu-jitsu, só pra ajudar uma amiga que precisava de mais mulheres no tatame.

Foi aí que percebi: “ok, isso não é tão ruim assim”. E aos poucos, fui pegando gosto. No início, eu era super desajeitada e não gostava da falta de espaço pessoal, mas com o tempo fui entendendo a beleza do esporte.

De aluna a competidora

BJJ Girls Mag: Quando você realmente começou a se envolver com o jiu-jitsu de forma mais séria?

Shama Ko: Cerca de um ano depois de começar. No início eu não queria competir, treinava só por diversão. Mas com o tempo percebi que era algo que me fazia bem. O jiu-jitsu é uma forma divertida de movimentar o corpo, muito diferente de academia — eu odeio academia! (risos)

Sou do campo, gosto de fazer coisas físicas, carregar, plantar… o jiu-jitsu virou uma forma de me exercitar e me conectar comigo mesma.

O nascimento do Girls in Gis

BJJ Girls Mag: E como surgiu o Girls in Gis?

Shama Ko: Então, o projeto foi criado originalmente pela Ashley Freeman Lynn, em 2009, no Texas. Era um grupo pequeno de mulheres que se reuniam pra treinar juntas, porque na época não existiam treinos ou eventos femininos.

Eu participei de um desses encontros como aluna, e aquilo mudou completamente minha visão. Até então, eu vinha de uma academia super tradicional, com mentalidade fechada… a gente não podia treinar em outros lugares, era como se os outros fossem “inimigos”.

Mas quando fui ao evento do Girls in Gis, fui recebida com tanto carinho que percebi: “isso aqui é diferente”. Era uma comunidade, uma tribo. Isso me tocou profundamente.

Com o tempo, Ashley seguiu outros caminhos, e eu acabei assumindo o projeto. Como eu já trabalhava com fotografia esportiva e estava muito envolvida com o jiu-jitsu, fazia sentido continuar e expandir a ideia. Desde então, dediquei boa parte da minha vida a isso.

Desafios e cultura no jiu-jitsu feminino

BJJ Girls Mag: Construir uma comunidade feminina dentro do jiu-jitsu não é fácil. Quais foram os maiores desafios?

Shama Ko: É desafiador, sem dúvida. Criar um movimento requer tempo, energia e resiliência. Muitas vezes é um trabalho que ninguém vê, as pessoas vão ao evento e dizem “foi ótimo!”, mas não imaginam as horas de organização por trás.

Também há barreiras culturais. No começo, existia muito ego, rivalidade, e aquela mentalidade de “meu time contra o seu”. Mas o que percebi é que nós, mulheres, somos mais fortes quando estamos juntas.

Nos Estados Unidos, o jiu-jitsu começou com uma visão muito tradicional, herdada do Brasil. Mas aos poucos fomos evoluindo. Hoje há mais colaboração e amizade entre academias, algo que precisamos continuar cultivando.

Comunidade, união e futuro

BJJ Girls Mag: O que você diria para as mulheres que tentam criar projetos semelhantes em outros países, como o Brasil?

Shama Ko: Eu diria: continuem tentando! Construir algo assim leva tempo. Nem todo mundo vai apoiar, e tudo bem. Mas lembrem-se: o jiu-jitsu feminino cresceu porque mulheres decidiram criar o que ainda não existia.

Somos mais fortes juntas. Podemos ser leais às nossas academias e, ao mesmo tempo, apoiar outras mulheres. Ser do mesmo time não significa excluir os outros — podemos brilhar juntas.

Às vezes, treinar com outra mulher pode ser desafiador, mas é ali que crescemos. Precisamos deixar o ego de lado e lembrar que o tatame é um espaço de aprendizado, não de competição entre nós.

Força em tempos difíceis

BJJ Girls Mag: Shama, você tem compartilhado sobre sua jornada de tratamento contra o câncer. Gostaria de falar um pouco sobre isso?

Shama Ko: Claro. Em setembro de 2023, fui diagnosticada com câncer de ovário. Passei por um primeiro tratamento, e depois a doença voltou. Agora estou em uma segunda rodada de quimioterapia.

É uma experiência difícil, mas tento enxergar como uma oportunidade de crescimento. Tenho aprendido muito sobre mim mesma, sobre o que realmente importa. É um processo de autoconhecimento e força.

Estar no Havaí, perto da natureza, me ajuda muito. Gosto de cuidar das plantas, estar perto do mar e das montanhas — tudo isso é parte da minha cura.

BJJ Girls Mag: Que conselho você deixaria para as mulheres do jiu-jitsu brasileiro?

Shama Ko: Apoiem umas às outras. Deixem de lado o ego e lembrem-se de onde viemos. As mulheres pioneiras enfrentaram desafios enormes, e graças a elas, hoje temos espaço.

Vamos continuar esse legado com união, empatia e respeito. No final das contas, o jiu-jitsu é sobre evolução, dentro e fora do tatame. 

Saiba mais sobre o projeto:  Girls in Gis – Site Oficial

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