A luta feminina que levantou todo um ginásio: um novo momento para o jiu-jitsu feminino

Eu tô na faixa roxa (há quase 3 anos rsrsrs) e desde que comecei a ouvir falar em jiu-jitsu eu ainda não tinha vivido um momento como esse no jiu-jitsu feminino. 

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Eu explico: em tempos de mundial, eu estava conversando com as meninas no grupo do WhatsApp sobre as lutas que estamos ansiosas para assistir, e acabei mencionando o quanto me interessa ver Sarah Galvão, Helena Crevar e as irmãs Funegra lutando agora nessa sexta -feira: todas faixa marrom.

Eu e a Sam acabamos percebendo uma coisa: quando em algum momento do jiu-jitsu houve alguma ansiedade por ver lutas de faixas marrom feminino nos campeonatos? Nunca!

O jiu-jitsu feminino está crescendo e a mulherada está vindo com força, garra e muita técnica abrindo cada vez mais espaço para nós dentro desse esporte ainda tão masculino.

E digo mais: uns anos atrás, quando começavam as finais femininas, geralmente o pessoal saía pra comer algo, ou simplesmente deixava o ginásio para fazer qualquer outra coisa para depois voltar para assistir as finais masculinas.

O Campeonato Brasileiro levantou a torcida

Mês passado aconteceu o Campeonato Brasileiro de Jiu Jitsu de 2025, e a luta da Tayane Porfírio com a Gabi Pessanha literalmente levantou o estádio.

Naquele dia, o improvável aconteceu, Gabi que estava invicta há mais de 165 lutas, acabou perdendo por pontos para Tayane aquela luta.

Naquele dia, minha gente, tinha mulher, tinha homem, tinha criança, todo mundo sacudindo o ginásio com aquele feito, algo que não se via desde a épica luta entre Leandro Lo e Erberth Santos, em 2017.

E ao contrário do que muitos disseram, ninguém estava lá torcendo para a Gabi perder. Ela atualmente é a maior que temos e isso ninguém contesta. 

A comemoração naquele momento era sobre a vitória dos improváveis. Aquele sentimento de que nada é impossível. De que, com muito esforço, dedicação e paixão é possível bater de frente e até mesmo acabar vencendo aquela barreira que até então parecia impossível de transpor.

Não existe favoritismo no jiu-jitsu. Pode até parecer motivação barata, mas não é: qualquer pessoa que se dedicar de fato, treinar, abrir mão de diversas coisas pra viver o jiu-jitsu pode bater o melhor do mundo. O preço não é baixo, óbvio, não é fácil, mas é possível!

A vitória da Tayane trouxe esperança para quem, todos os dias, investe seu dinheiro, seu tempo, sua saúde – física e mental – em um objetivo que talvez nunca vá chegar. Porque ser atleta é isso: é investir num objetivo que não tem nem metade de chance de dar certo.

Naquele dia, o jiu-jitsu feminino ganhou. E ganhou muito. E elas mostraram que não estamos para brincadeira. Mas o que precisou acontecer até que esse momento fosse possível?

A exclusão da participação feminina nas artes marciais não surgiu do nada

A participação das mulheres nas artes marciais não é algo recente: a grega Hydne e as Amazonas foram as primeiras referências femininas nesse contexto, isso em 479 a.C. Existem diversas citações sobre a importância das mulheres que lutavam bravamente ao lado dos homens. Foi no século 20 que a bagunça começou, de fato.

No Ocidente, mulheres foram afastadas e proibidas de praticar qualquer tipo de luta com a justificativa de que isso as deixava muito masculinizadas ou que eram fracas demais para esportes de combate.

Já no Oriente, o que preocupava era uma possível rebelião feminina em um sistema que exigia que a mulher cumprisse um papel mudo, frágil e delicado criado especialmente para suprir as necessidades masculinas de poder. 

Mas como vocês sabem, desde o mito de Eva, mulheres não são muito chegadas a aceitar imposições. E só por isso estamos aqui falando sobre isso hoje.

Emily Diana Watts: você já ouviu falar nela?

Emily Diana Watts foi uma das primeiras mulheres a ensinar jiu-jitsu no mundo ocidental. 

Nascida na Inglaterra durante a era vitoriana, ela, antes dançarina, começou seu treinamento em jiu-jitsu em 1903 com os mestres japoneses Sadakazu Uyenishi e Akitaro Ono no dojo Golden Square, em Londres.

Em 1906, começou a ministrar suas próprias aulas no Prince’s Skating Club, em Knightsbridge, e publicou o livro The Fine Art of Jujitsu. A obra incluía uma introdução escrita por Mary Russell, duquesa de Bedford.

Em 1940, Emily já tinha dado a volta ao mundo 5 vezes ministrando palestras e demonstrando sua metodologia, o que possibilitou a ela conhecer figuras influentes como Mahatma Gandhi e George Bernard Shaw. Emily morreu aos 101 anos deixando pra trás um legado que vive até hoje.

As pioneiras brasileiras do jiu-jitsu

No Brasil, o jiu-jitsu feminino demorou a se desenvolver. Yvone Duarte foi a primeira mulher a conquistar a tão sonhada faixa preta no jiu-jitsu. E não parando por aí, também foi a primeira mulher a conquistar a faixa coral. 

Yvone, que começou a treinar aos 14 anos, teve um papel indispensável para que hoje existam categorias femininas nas competições: em 1985 –  após muita pressão dela e de suas colegas de equipe -, ainda na faixa azul pôde participar do seu primeiro campeonato.

A gaúcha Rosângela Conceição também teve um papel importantíssimo no desenvolvimento do jiu-jitsu feminino: foi a primeira mulher a ser campeã mundial de jiu-jitsu juntamente com Thaís Ramos, que venceu a categoria leve do mesmo campeonato.

Outros nomes que também fizeram história foram:

  • Alessandra Vieira, que em 1999 foi a primeira mulher faixa-preta a conquistar o título mundial na IBJJF.
  • Michelle Nicolini, que em 2007 fez história ao vencer a primeira edição da categoria absoluto feminino no Mundial da IBJJF.

O Girl Power está mais real do que nunca

Foi preciso antes que houvesse Kyra Gracie, Monique Elias, Luiza Monteiro, Bianca Basílio, Bia Mesquita, Mackenzie Dern, Tayane Porfírio, entre muitas outras, para que hoje existam esses furacões do tatame como Sarah Galvão, Gabrieli Pessanha, Yara Soares, Mayssa Bastos, Brenda Larissa, Ashley e Mia Funegra, FFion Davies, Nathalie Ribeiro, Margot Cicarelli, e todos os outros nomes que abrilhantam o cenário feminino do jiu-jitsu da atualidade.

E isso é só o começo: o nível técnico das meninas está cada vez mais absurdo, os combates cada vez mais emocionantes e o jiu-jitsu está deixando de ser um esporte de homens e mulheres “masculinizadas” para se tornar um esporte que todo atleta, seja homem ou mulher, pode utilizar como ferramenta de transformação da própria vida. E isso, não tem preço que pague.

Texto: Marcela e Sam

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