Devo confessar, há anos que eu não me empolgava tanto em assistir uma luta do UFC. Acredito que a última vez que me animei com um confronto no Ultimate foi a lamentável disputa entre Minotauro e Frank Mir, no UFC 140. Me organizei para no horário previsto estar na casa do meu aluno e não poder me atrasar pera assistir a terceira luta de uma jiujiteira que eu admiro e respeito muito. Por sua história de superação e humildade, sobretudo por me mostrar que um jiu-jitsu humano pode ser desenvolvido: Virna Jandiroba.
Mas, o jiu-jitsu já não é uma produção humana e carrega na sua essência nossas emoções, táticas, reflexões, estratégias, entre outras capacidades humanas? Sim! O problema é que, a partir do momento que o grande potencial humano é deixado em segundo plano em prol da espetacularização dos megaeventos, e sabemos (ou não?) que o grande carro chefe de algumas competições é o lucro, aquilo que deveria ser regra em nossas relações, como cordialidade, educação, gentileza, se torna extraordinário. Raro. Concorda?
E é isso. Virna começa sua aula de jiu-jitsu quando dá suas entrevistas prévias, considerando sua especialidade que é a luta de solo, mas, considerando que a adversária deve ser respeitada em sua trajetória dentro da instituição. O respeito pelo outro e toda antecipação que precisamos observar sempre sobre nossos adversários colocado em prática na prévia do confronto. Devemos nos lembrar sempre que toda preparação para uma competição ou luta casada perpassa pelas prévias: treinamento, alimentação, descanso, preparação psicológica, mas também na análise de risco.
Durante a luta, a camarada faixa preta se debruçou de um dos princípios utilizados pelo Judô, mas também, por alguns mestres e professores do jiu-jitsu: máxima eficiência com gasto mínimo de energia. Ela simplesmente entrou no octógono preparada para uma luta de 3 rounds, entretanto, como dito em suas entrevistas, seu plano A, que era levar a luta para o solo e finalizar a adversária foi logo colocado em prática, nos proporcionando uma belíssima demonstração de domínio, inteligência emocional e preparo. Um double leg extremamente eficiente, seguido de uma passagem de guarda, controle de solo e um armlock perfeito.
Menos de 2 minutos. Foi o tempo suficiente para relembrar que nosso BJJ ainda é um dos sistemas de combate mais eficientes que a humanidade já produziu. Mas eu gostaria de ressaltar a preocupação de Virna, que poderia ter castigado com cotoveladas a adversária no momento da montada (e não fez) em atingir seu objetivo: finalizar.
Mais um quesito para ser anotado em nossa prática cotidiana. Nossa luta não é contra o outro e sim com o outro, buscando compartilhar das disputas ou combates, preservando as colegas de treino ou competição, tão necessárias para a realização de qualquer atividade. E ela colocou isso muito precisamente em sua entrevista pós combate.
Virna nos faz acreditar e experimentar que mesmo que um megaevento se organize e se paute no lucro ou na forte competição e desrespeito (basta lembrar dos vexames e baixarias que já ocorreram nas pesagens ou reality shows do evento), sua visão de mundo ou princípios podem e devem ser preservadas. Assim, nos orgulhando de ter uma representante do BJJ que põe em prática a serenidade de usar “a força do adversário” contra ele mesmo.
Entre outros, uma atleta que traz para junto, e não separadamente, sua adversária ou outras meninas que queiram encarar o mundo das lutas, que compartilha de todas as dificuldades e desafios que as mulheres enfrentam no jiu-jitsu ou MMA. Uma atleta que acredita que o esporte é um recorte da sociedade e que as mulheres vivem um processo histórico de ascensão.
Foi um sábado de muita escola e não poderia vir de qualquer faixa preta. Tinha que ser de uma mulher, nordestina e muito batalhadora, inteligente e muito carismática, que a gente ainda vai ouvir falar muito. Virna conseguiu resgatar em mim e em muitas pessoas, que lotaram seus stories do Instagram com mensagens de muita vibração. Aquela dimensão humana do esporte, que em momentos difíceis como este de pandemia e de descaso do Executivo, que estamos passando, deixa nossos corações esperançosos e alegres.
E claro, cheio de orgulho, quando milhões de pessoas podem admirar e testemunhar uma manifestação do mais refinado Jiu-jitsu Brasileiro. Voa, Carcará!