…Dentro de meu sentimento e tudo de mim

 (Dança dos Meninos – Milton Nascimento)

Eu levei um kimono extra para que ela pudesse treinar naquele dia. Afinal de contas, uma colega ir a um treino sem poder fazer um bom e velho “róla”, é uma tortura, não acha? Ficar olhando a galera treinar do lado de fora?

Fazia um bom tempo que não nos encontrávamos. Ela estava uns quilos a menos do nosso último encontro. Mas, curiosamente, muito feliz e empolgada por poder retornar aos tatames. Aliás, o motivo do nosso encontro era a venda de um livro que ela anunciou nas redes sociais. Achei um pouco estranho o valor tão barato da obra e a questionei o motivo. Ela desconversou e apressou-se em vestir o Jiu-jitsu Gi. Estávamos em cima da hora de iniciar o treino.

Aquela minha preocupação de Sensei, em observar uma pessoa que estava sem treinar há alguns meses se misturava com a curiosidade em sua perda de peso tão significante, durante o aquecimento. Ela estava impressionantemente mais magra. Me perguntava coisas sobre nossa antiga equipe, sobre nosso antigo professor, sobre o como era difícil ficar sem treinar por muito tempo. Até que, durante o treino técnico, se sentiu à vontade e decidiu me contar algumas coisas relativas à sua vida:

Percebeu como estou mais magra? Perguntou sorridente.

Sim! Está fazendo uma dieta específica? Retribui a pergunta tentando negar que dava para perceber.

Eu estou depressiva. Afirmou me mostrando algumas cicatrizes no seu braço.

Nossa! Fiquei por algum tempo sem palavras.

Ela sorriu e passou a mão no meu rosto me pedindo para não se preocupar, pois, estava tomando os remédios do seu tratamento. Mas, como não ficar perturbado diante de um monstro tão silencioso, sutil? Mesmo que ela me fale que está tomando remédios, é muito curioso como uma pessoa tão disposta e sorridente, ajudando os iniciantes com disposição, como fizemos com ela quando entrou na equipe, esteja sofrendo uma dor tão profunda e imensurável. Fiquei com vergonha de perguntar e estender o assunto sobre.

O treino logo encerrava. Cumprimentamos uns aos outros com um aperto de mão e um abraço. É curioso como conseguimos perceber um sincero agradecimento por um abraço. É uma forma do corpo se expressar, dizer aquilo que as palavras já não dão conta. Ela me agradeceu verbalmente, o treino. Solicitei que aparecesse novamente quando quisesse. Ela recusava educadamente, alegando estar sem grana. Eu lhe reclamava da importância de sua presença, numa tentativa de ajudar. Estar nos treinos conosco, naquele momento, era a única coisa que eu pensava em oferecer como ajuda. Para afastá-la da solidão.

A notícia chegou 1 mês depois, por telefone, me colocando entre um sentimento de impotência e de culpa. Eu poderia ter feito algo a mais para ajudá-la… Isso não saia da minha cabeça. Numa tentativa de identificar alguma pista que ela poderia ter deixado, vasculhei o livro que ela me vendeu naquele dia. Uma anotação, um sinal… Quando uma coisa deste tipo acontece, ficamos procurando respostas. Como se explica uma menina tão jovem fazer o que ela fez? Só ela sabia o que estava passando.

O livro está lá na minha prateleira: Quem tem medo do escuro? Me traz lembranças daquele treino, o último. Como eu poderia prever? Parece até que o título me lança uma pergunta. Eu não sei responder. Só consigo pensar no quanto a escuridão abraçou apertado demais a minha colega de treino.

O CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat 24h todos os dias.

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