Entrevista exclusiva – Hannette Staack

Fala galera, hoje recebemos uma convidada muito especial, Hannette Staack (Nette), faixa preta 3º grau e professora de Jiu-jitsu. Hannette nasceu em São Luís do Maranhão, mas foi morar no Rio de Janeiro com a família quando era ainda muito nova. Foi no Rio que começou a sua história no Jiu-jitsu e criou as raízes que permitiram que conquistasse o mundo da arte suave.

Hannette tem uma história muito longa na arte, assim como várias outras pioneiras do Jiu-jitsu feminino, e a maior dificuldade do início de sua trajetória foi o preconceito. Se hoje o Jiu-jitsu ainda é considerado um esporte masculino, quando começou a treinar, em 1997, esse pensamento era muito mais forte. Ela escutou de várias pessoas que isso era “coisa de homem”. E muitos homens que já treinavam achavam que quando entrava uma mulher na academia, ela queria só arrumar um namorado e logo iria sair. Até conseguir provar que estava ali por causa do Jiu-jitsu e ser respeitada como praticante, teve que ouvir muitas besteiras. “Provei isso através das competições, continuando no Jiu-jitsu e chegando até a faixa preta”, ela contou.

Hannette foi uma das responsáveis pelo crescimento do Jiu-jitsu feminino (junto com nomes como Lety Ribeiro, Leka Vieira e Kyra Gracie) e contou que sempre disputou campeonatos, desde a faixa branca. Não foi à toa que ela foi 8x campeã mundial, sendo uma delas sem kimono e 3x campeã do ADCC, além de outros títulos em campeonatos regionais, como o Brasileiro e o Pan-Americano. Além disso, Hannette faz parte do Hall da Fama da Federação Internacional de Jiu-jitsu  (IBJJF). Hannette ficou marcada por seu armlock certeiro e diz que essa é sua finalização preferida. E a posição que mais gosta é a montada.

Campeonato Mundial de 2004 (3º título mundial da Hannette). Fonte: arquivo pessoal
Campeonato Mundial de 2004 (3º título mundial da Hannette). Fonte: arquivo pessoal

Apesar das dificuldades iniciais, o Jiu-jitsu trouxe inúmeros benefícios para a vida da campeã. Hannette disse que mesmo sempre gostando de esportes, era uma pessoa insegura e não acreditava muito em si. Além dos benefícios físicos, como a melhora da coordenação, aumento da força e de massa muscular, a arte suave também a trouxe ganhos na saúde mental. “O Jiu-jitsu me deu uma autoconfiança muito grande, me fez ficar uma pessoa mais focada, me ajudou a superar algumas dificuldades da minha vida”, disse.

 Jiu-jitsu feminino hoje

Em seu primeiro título mundial, as categorias de faixa na divisão feminina ainda não eram separadas. Em 2005, as faixas roxas foram separadas (das marrons e pretas) e só em 2012 todas as faixas foram individualizadas, apesar de ainda ocorrer a junção de marrom e preta em alguns campeonatos, como os da Federação de Abu Dhabi (UAEJJF). Hannette destacou a importância do maior destaque para as mulheres nos campeonatos (que costumavam lutar junto com os faixas azuis masculinos) e da divisão das categorias de faixa: “Muitas não queriam competir e muitas pararam no meio do caminho, pois havia muito pouco incentivo para as mulheres dentro do cenário competitivo”.

Em relação aos campeonatos, Hannette acha que ainda podemos ter mais meninas participando. Esse era um fator que a deixava chateada quando competia, pois ela conhecia outras praticantes, mas que não iam aos campeonatos. Hoje, sabemos que o número de meninas ainda é menor nas competições, por isso a campeã fala que temos que fazer a nossa parte, que é “participar dos campeonatos, continuar treinando, fazer a nossa comunidade crescer buscando outras praticantes e representar o nosso esporte de maneira correta”.

Uma dificuldade que a professora ainda encontra hoje no cenário do BJJ feminino é, segundo ela, a vulgarização da mulher. Pois algumas pessoas ainda assistem lutas porque ‘fulana’ é bonita. “O jiu-jitsu feminino é muito mais do que isso. Tem muitas meninas bonitas, mas essa vulgarização me incomoda, justamente porque é um espaço que demoramos para conquistar”, disse. Hannette também ressaltou que é preciso acabar com esse estereótipo de que a mulher tem que ser bonita, magra, pois “é o caminho oposto da evolução do Jiu-jitsu feminino, temos que respeitar todas as diferenças, todo mundo está com o mesmo objetivo”. A professora lembrou que, após um campeonato do cenário mundial, ao procurar os resultados na mídia especializada, viu uma matéria do tipo ‘quem é a mulher mais bonita do Jiu-jitsu?’. A própria mídia acaba reforçando esse pensamento, enquanto deveria fazer o contrário.

Armlock. Fonte: www.hannettestaackbjj.com
Armlock. Fonte: www.hannettestaackbjj.com

Outro papel da mídia, segundo a Nette, é “refrescar a memória” das pessoas em relação aos pioneiros do esporte. Pois hoje é muito fácil postar algo nas redes sociais e tudo se torna viral muito fácil. “Se eu falar meia dúzia de nomes de quem começou, lá do início, muita gente não vai saber quem é. A mídia pode ser usada a nosso favor para não deixar que essas pessoas sejam esquecidas”, ressaltou.

De competidora para professora

Hannette colecionou vários títulos importantes durante sua carreira e hoje atua como professora em Chicago, nos Estados Unidos. Ela disse que sente muita falta dos campeonatos: “meu coração pede para lutar, começo a ver todo mundo lutando, fico agoniada”. Mas ressalta que seu papel hoje transcende o fator competições. “Minha marca no Jiu-jitsu nunca vai ser apagada, meu papel hoje é muito maior que participar de competição. Hoje vejo que sou uma formadora de opinião, uma líder dentro do que eu faço”. Hannette disse que fica feliz em ver suas alunas conquistando seus objetivos, que muitas pessoas se inspiram nela e que é gratificante ver os frutos de todo o investimento em sua carreira. Porém, a multicampeã disse que não significa que deu adeus às competições. Será que vem show de Jiu-jitsu por aí?

Ela também ressaltou que quando competia em alto nível, precisava ser um pouco “egoísta”, dedicar mais tempo a si mesma, treinar mais. E que hoje isso é inviável, pois algumas de suas alunas estão no auge da carreira e precisam de seu apoio. Hannette disse que atualmente as competições têm um peso menor para ela em relação ao quanto ela e o Jiu-jitsu podem transformar a vida de uma pessoa. “Isso me motiva mais, continuar empoderando as pessoas, como professora, incentivando”, completou.

Do Brasil aos Estados Unidos

Em 2005, Hannette lutou o ADCC nos Estados Unidos e, em 2007, voltou para a mesma competição. Nesses dois anos, ela e André Terêncio (professor e marido), foram amadurecendo a ideia de começar um trabalho nos EUA. Porém, inicialmente, a intenção não era dar aulas e, sim, continuar sua carreira como competidora, lutando o máximo de campeonatos. Nette disse que a mudança foi difícil, pois teve que abrir mão de muita coisa: “tem que largar tudo, abandonar tudo que construiu no outro país, suas raízes e ir para um lugar completamente estranho”. Mas, segundo ela, o resultado foi positivo e deu muito certo. Desde que foram para lá, nunca trabalharam com outra coisa que não fosse o Jiu-jitsu e tudo o que conquistaram foi através da arte suave.

Foi lá que Hannette e André começaram a pensar sobre criar uma equipe e, assim, surgiu a Brazil-021 School Of Jiu-jitsu. Os dois levaram a ideia a outros professores e a equipe também nasceu em Houston (EUA), com o professor Marcos Cerqueira e no Rio de Janeiro, com o professor Flávio Aleluia. Segundo a professora, a Brazil-021 é uma “escola tradicional, que preza e segue a filosofia do jiu-jitsu tradicional, mas também moderna, com alunos que competem no cenário mundial do Jiu-jitsu”.

Em 2008, a professora inaugurou uma turma feminina, pois nunca teve a oportunidade de ter um grupo de mulheres treinando juntas e, além disso, foi uma maneira de chamar as mulheres para o Jiu-jitsu. Hannette disse que quis fazer algo especial para o público feminino, para que elas se sentissem confortáveis começando a treinar com outra parceira e não em uma sala cheia de homens – o que, segundo ela, pode ser intimidador para quem nunca fez arte marcial antes.

André ‘Negão’ Terêncio e Hannette. Fonte: arquivo pessoal

Ela conta que, no início, recebeu muitas críticas por estar supostamente segregando os praticantes. Mas, hoje, a turma tomou uma proporção muito maior e muitas meninas a procuram, inclusive que, por questões religiosas ou pessoais, não podem ou não querem treinar com homens. Além disso, elas podem ver que é possível treinar Jiu-jitsu e continuar feminina, por exemplo, sem o estereótipo de que mulher que luta ‘parece homem’. “Sou muito grata por não ter desistido da turma feminina. Cada dia mais e mais mulheres querem participar, elas veem como uma porta de entrada”, concluiu.

A história de Hannette Staack é inspiradora e prova que podemos conquistar nossos objetivos. Sempre ressalto que é muito importante lembrar das pioneiras. Realmente, muita gente não deve saber quem são Leka Vieira, Lety Ribeiro, Yvone Duarte. Sem as pioneiras, como estaria o BJJ feminino hoje?

Um obrigada especial à Hannette por ser tão atenciosa comigo e por me dar a oportunidade de aprender tanto!

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