Competindo com três oponentes de uma só vez: um relato sobre anorexia e bulimia no jiu-jitsu

Você já se imaginou lutando com três ou mais adversárias de uma só vez? Parece mentira, mas é realidade que as mulheres enfrentam no tatame. Venho neste texto trazer algumas destas adversárias. Adversárias não muito conhecidas no meio porém a falta de conhecimento não a faz deixar de existir, não é mesmo?

Muitas pessoas entram no jiu-jitsu para emagrecer, isso é um fato. O que não se sabe ou que não é divulgado é que existe uma porcentagem de meninas que já são magras e querem emagrecer cada vez mais deixando a saúde de lado e/ou entram para melhorar seus transtornos alimentares, depressão, crise de pânico e outros “N” problemas. Às vezes pode acontecer destes problemas continuarem e/ou até pioram.

Vai chegando o dia da competição e você precisa bater o peso. Você já está no peso se usasse um kimono mais leve, inclusive estaria 500g abaixo do peso mas você quer bater o peso com o seu kimono mais pesado e ainda ficar 500g abaixo disso, só pra ter segurança caso a balança esteja errada. Ou seja, você tem que emagrecer 2 ou 3kg até a competição. Você tem uma ou duas semanas, mas já começa a entrar em pânico achando que não vai bater, vai perder por W.O.

Resumo dos primeiros dias: dia 1, 2 e 3

Você acorda, se pesa, vai pra academia, faz musculação, de quebra ainda faz esteira por mais tempo que o de costume, mais que o necessário na verdade. Fica 30 minutos na esteira, sendo que o seu tempo seria de 10 minutos, mas tudo bem, quanto mais correr mais vai emagrecer. Toma um banho, vai pra faculdade, a fome começa a bater.

– E aí? Você vai comer o que?
– Água é vida, água é saúde, vou ficar na água.

Após a faculdade tem que trabalhar. Vai chegando a hora do almoço, estômago começa a roncar, vozes na cabeça falam ” VOCÊ NÃO VAI COMER, SE NÃO VAI ENGORDAR”. Toma mais água, mas a água não tá dando jeito, a fome está apertando. O que eu vou fazer? Vou comer tomate, uma rodela de tomate tem quase 0kcal, vai ser isso mesmo. Vai se findando a tarde. Hora do treino chegando, fome aperta você come um pedaço de pão integral só pra se manter em pé no treino. O treino é produtivo. Chega em casa e a fome continua. O que vou fazer? Lembro que quando criança minha mãe falava “dorme que a fome passa”. Isso que fiz. Dormi. Será que a fome passou? Engano.

Dias posteriores, intermediários: dias 4, 5 e 6

Já não consigo manter a mesma rotina de treinos. Esses são os dias que o organismo começa a se acostumar com a fome. Porém vem acompanhada de muita dor de cabeça, vontade de não fazer nada, nem de treinar que é que você mais gosta. E você pensa: preciso de energia, preciso comer, se eu não comer meus treinos serão ruins como no dia 3.

Você finalmente come. Um sentimento de culpa invade todo o seu corpo, é como se você tivesse se traído. É como se você fosse engordar 3kg só de ter comido. Vai quase que imediatamente pro banheiro colocar pra fora toda aquela comida suja. Alguns dias passam, você belisca aqui e ali mas nada que vá te encher, coloca pão na boca mastiga, mastiga e mastiga “vou engolir, será? claro que não!” O saquinho pra mastigar e jogar fora está logo ali do lado.

Os piores dias, os da perdição: dias 7, 8 e 9

Ok. Você realmente precisa comer e manter a comida no seu organismo porque seus treinos estão indo de mal a pior e você quer ganhar esse campeonato, precisa se esforçar pra comer e mesmo assim emagrecer. Começa a comer compulsivamente simplesmente por não aguentar mais a falta de comida, cai em tentação e adivinha? Bate o desespero. “Engordei 4kg agora, certeza.” O que fazer?

Você tem uma ideia não tão genial assim. Começa a se automedicar. Orlistat para não acumular gordura no corpo, remédio pra diabetes para não absorver carboidrato, laxante para limpar e tirar todo o peso do corpo e diurético pra eliminar a água . O que acontece? Você não está bem, você não fica bem, quase desmaia no trem indo para o treino, quase que o seu coração dá um piri-paque. Você passa mal com os efeitos colaterais, não consegue treinar, é preferível ir para casa descansar por que não dá mais ..

Ana & Mia

Este relato é só um pouco do que acontece na mente de uma Ana & Mia no jiu-jitsu de competição. Será que para uma menina já “magra” vale a pena perder peso para competição? Anas & Mias muitas vezes não saem por aí (principalmente no esporte) dizendo “eu quero emagrecer”, “me sinto gorda..” elas falam “tenho que perder peso para me encaixar na minha categoria”, “já comi antes de vir”.

Há vários apelidos em seus meios “magrela”, “grilinho”, como ela se sente? Feliz. Feliz por parecer magra. Feliz por ver que consegue emagrecer custe o que custar. Mas o que todas sabem é que essa felicidade é momentânea, sua vida gira somente em torno disso: “preciso ficar magra”. Longos períodos sem comer seguidos de alimentação compulsiva parece que finalmente estão valendo a pena. Dias seguidos de remédios, de vômitos, de baixa autoestima, de dúvidas. Vi um ossinho aparecer! É a parte mais perfeita do dia.

O medo principal é de não bater o peso, mas quem disse que é só isso? Sua mente só pensa em uma coisa, seu foco é totalmente esse, tenho que ser uma borboletinha. Borboletinhas não sentem fome, borboletinhas voam e voam leves e vazias. É assim que tenho que ser. Tenho que bater o peso, minha vida depende disso. Tenho que bater o peso!

Às vezes a cobrança vem em dobro quando você chega em um patamar em que tem excelentes resultados em sua categoria, vem da equipe, vem do professor, vem da família, dos amigos. Indiretamente, claro! Só querem ver o seu sucesso. Você disputou? Como foi? Ganhou? Às vezes você não ganha na sua categoria, isso é normal mas perder por conta da fraqueza da Ana e & Mia? É terrível! O sentimento de impotência não desaparece: “por que fiz isso comigo?”, ” vocês me fizeram perder, nunca mais vou fazer isso”. E no próximo? Acontece o que? Você faz de novo e de novo. É um ciclo que sem ajuda não se quebra.

Ela ganhou? Às vezes sim, às vezes não. A que custo ? Quais implicações em sua saúde isso gerou? Sem acompanhamento médico? Mas a verdade? Não estou aqui para falar disto.

Professores, amigos, família, escutem suas mulheres, elas não precisam que vocês coloquem comida na boca delas e nem que as forcem para comer, porque na real? Isso não adianta. No minuto seguinte ela está no banheiro se sentindo pior ainda. Ela sabe que o que está fazendo não é bom, não é saudável. Ela precisa de compreensão, de alguém que a entenda, aceite e talvez quando ela se sentir pronta ajude se ela pedir, a decisão é dela e somente dela de querer sair deste ciclo, ninguém consegue obrigar o outro a nada, a pessoa só irá mudar se ela realmente quiser. A força vem de dentro dela, ela é mais guerreira do que vocês imaginam.

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