O noticiário informava:

Um grupo de atletas do jiu-jitsu, vestidas de kimono, estão realizando um ato em frente à Câmara Municipal da cidade, solicitando que os vereadores cumpram a lei municipal de incentivo ao Esporte e o artigo constitucional que diz que é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um.

De acordo com a líder da manifestação, a estudante secundarista, Maria Silva, as atletas se reuniram após perceberem que os incentivos Municipais, Estaduais e Federais, eram destinados apenas aos esportes de apelo midiático, como o futebol. E mesmo a cidade sendo uma referência no jiu-jitsu feminino, tendo várias atletas se destacando no âmbito nacional e internacional, nenhuma política pública é destinada à arte suave.

“Nós temos as melhores atletas da modalidade esportiva em nossa cidade. Atletas que passam horas nos semáforos, nas escolas, nas ruas, vendendo doces ou picolés para arrecadar dinheiro para participar dos eventos importantes. Somos vencedoras, campeãs mundiais. E o que o poder público faz por nós? Nós pagamos uma gama de impostos sobre consumo, dinheiro que deveria ser destinado ao Esporte. E nada. Não queremos passeio em carro dos bombeiros quando voltamos vencedoras das competições, queremos respeito pelo nosso esforço e reconhecimento do nosso direito”, disse a estudante.

Alguns dias antes, toda aquele cansaço acumulado dos treinos e competições, em Maria, se reuniu a uma raiva que doía a cabeça, ao saber que sua colega de treino sofreu um abuso sexual numa rua, enquanto vendia picolés para arrecadar o dinheiro da próxima competição estadual. Um babaca tentou lhe oferecer dinheiro em troca de sexo:

– Olha a quantidade de absurdos que temos que nos submeter para alcançarmos nossos sonhos, Maria?

– Amiga, não podemos ficar lamentando. Se não corrermos atrás de nossos sonhos ninguém vai. Respondeu Maria.

– Mas será que tudo está ao alcance de nossos esforços? Perguntou a amiga.

Maria parou para refletir sobre sua história no jiu-jitsu. Pensou o quanto foi difícil todo seu percurso. Aceitação da família, horas e horas de treino e participação em eventos. Seus esforços para conseguir dinheiro para pagar a mensalidade, material, viagens… E no final de tudo o ciclo começava novamente. Tinha um pouco de sentido no questionamento de sua amiga.

Ela ficava inquieta ao ler no noticiário o quanto algumas cidades investiam em seus atletas, e que alguns países mudaram significantemente a qualidade de vida da população através do investimento em Saúde, Educação e Esporte. Ficava deslumbrada ao ponto de sentir arrepios de empolgação. Só não compreendia a falta desse retorno em sua realidade. Ficou curiosa para entender como conseguiram.

Aprofundando em suas pesquisas ela percebeu que a população contemplada com as políticas públicas de apoio ao Esporte tencionavam o poder público ao invés de esperar ações que os beneficiasse. Se a única coisa que cai do céu é chuva e o resto é luta, porquê que para algumas pessoas não é assim? Ela pensou.

Entre um treino de posição, um detalhe técnico, um intervalo, as questões perturbavam a silenciosa subjetividade de Maria: Se tenho todo o esforço para conseguir realizar meus sonhos, se minhas amigas passam pelo mesmo, não faz sentido que eles tirem fotos conosco, que façam matérias, que se envaideçam de nossos feitos. Esse lance de “sempre foi assim” não cola mais, pensou alto Maria.

Entre conversas nos treinos, ela conseguiu reunir na mesma reflexão suas colegas que sempre compartilharam das mesmas inquietações mas nunca tiveram a oportunidade de falar, por serem rotuladas de “chatas”, “amargas”. Isso se expandiu para outras academias e quando perceberam, havia um grupo considerável de meninas que se reuniam para discutir suas “reclamações” sobre federações, disparidades nas premiações, e como poderiam ter um desempenho potencializado no esporte, se os seus direitos fossem respeitados, ou se houvessem políticas públicas de incentivo.

Maria e as meninas resolveram que a paz dos senhores engravatados estava por terminar. Se elas tinham que se esforçar para continuar a alimentar seus sonhos no jiu-jitsu, eles também deveriam passar pelo mesmo. Deveriam passar uma manhã de sol vendendo picolés no semáforo, vendendo doces ou água mineral, fazendo rifas, se submetendo aos mais diversos tipos de situação constrangedora, para estar por algumas singelas horas desfrutando do prazer e da glória que é ser um vencedor, e de toda a dor e aprendizagem quando o resultado não for o esperado.

“Se devemos lutar e superarmos desafios, encarar a vida sem nos rendermos ao nosso cansaço e vontade de desistir, se devemos sair de nossa zona de conforto no jiu-jitsu, porque temos que aceitar caladas os abusos cometidos quando não temos de volta os nossos direitos?!”, exclamou Maria para as participantes do ato, antes da equipe de reportagem chegar ao local. Várias meninas de kimono, lado a lado. Agora, não mais invisíveis como eram nos semáforos da cidade.

O noticiário, no início, foi apenas o primeiro.

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