O conceito de família no jiu-jitsu

Existem coisas que não se explicam. É necessário sentir. E geralmente o que é simples é difícil de explicar. O que leva pessoas que convivem juntas, em média, só uma hora por dia e de três a quatro dias por semana afirmarem ser integrantes da mesma família? Como sou um iniciante no jiu-jitsu, me vejo diante de um enorme desafio ao tentar abordar o tema. O que significa o conceito de família dentro da arte suave? Por que alguns membros de uma academia ou equipe de jiu-jitsu se tratam como irmãos de forma tão categórica?

Não tenho experiência e nem sabedoria suficiente para traçar uma resposta decente. A verdade é que a reflexão sobre esse assunto começou nas minhas primeiras semanas de academia, mas só veio à tona recentemente. A inquietação começou com um simples pedido relacionado a redes sociais, passou pelo Campeonato Europeu de Jiu-jitsu e desembocou com meu aniversário.

A primeira vez

Sou curioso por natureza. A curiosidade que me levou a ser jornalista. Desde a adolescência, tenho o hábito de pesquisar sobre temas que me interessam. Depois de adulto e já no mercado de trabalho exercendo a função de repórter, desenvolvi ainda mais a prática. O fato é que esse hábito agora faz parte de mim. E assim, antes de me envolver com o jiu-jitsu, muito li, assisti a vídeos, conversei com praticantes – alunos e professores – e visitei academias. Tive que visitar quatro e assistir seus treinos antes de me decidir por uma e fazer a matrícula. Foram dois meses de pesquisa. E confesso que, durante todo esse período, a questão de família e irmãos de tatame passou despercebida. Acredito que, como não vivia o dia-a-dia do jiu-jitsu, nada senti.

A primeira vez que, de fato, ouvi a palavra família ser dita dentro da academia e percebi que não se tratava de uma metáfora foi ao um fim de um treino, ainda nas minhas primeiras semanas. Falávamos sobre redes sociais. E o professor comentou sobre a importância dos alunos “curtirem” fotos e vídeos da equipe postados nas redes sociais porque esse ato, apesar de ser simples, era “importante para fortalecer a família”. Notei que o professor não se referiu à família no sentido simbólico. Não dá para dizer se foi o tom de voz ou o olhar dele. Eu apenas senti que ele estava falando de família de verdade.

O processo

A partir desse dia, passei a identificar uma série de gestos, ações e palavras e me dei conta de que o mantra irmão-irmã-família poderia ir além de uma mera formalidade no jiu-jitsu. Os cumprimentos antes e depois dos treinos eram sempre calorosos. Havia uma vontade verdadeira e recíproca de todos em ajudar aos colegas durante as aulas. O que mais me chamou atenção foi a preocupação real em não machucar aos parceiros. Isso eu senti bem. Começar no jiu-jitsu perto de 40 anos não é tão simples. Soltei, digamos assim, alguns urros. Nas vezes que isso aconteceu, todos ficaram realmente preocupados.

Descobri que a preocupação vai além do tatame. Certa vez, ao fim do treino, comentei no vestiário com um parceiro, o qual havia conhecido naquele dia, que minha filha era asmática e estava passando por um momento de crise. Inclusive havia acabado de sair de uma internação. Ele prontamente disse que a mulher dele era pediatra e se colocou à disposição para ajudar em qualquer coisa. Digam, isso é ou não é coisa de família?

O Campeonato Europeu

Foram meses sentindo essa energia boa. Mas a ficha de que o conceito de família pode ser real só caiu durante a realização do Campeonato Europeu de Jiu-jitsu organizado pela IBJJF em janeiro de 2018. Já entendo relativamente bem as regras do esporte e conhecendo muitos atletas de ponta, usei as redes sociais para acompanhar a competição.

Estava empolgado aguardando as finais das categorias adultas faixa preta. Então descobri uma coisa chamada “fechar a luta”. Isso acontece quando dois atletas da mesma equipe chegam à final. E em vez de fazer uma luta à vera, decidem não lutar. Na prática, um deles é declarado vencedor. Mas, moralmente, decidem dividir o prêmio. É uma tradição.

Confesso que fiquei um pouco perplexo. Então visitei alguns fóruns sobre o assunto. Vi algumas pessoas se declarando contra a prática. Mas muitas – a maioria – argumentam ser impossível lutar de verdade contra um “irmão” de treino. Olha aí outra vez o conceito de família aparecendo.

É ou não é para pensar? Por que um atleta profissional, que dedica seus dias a comer, dormir e treinar abre mão de disputar uma final de um campeonato importante? No meu entendimento, não há lógica que explique isso. É necessário sentir. Coisas de família!

Meu aniversário

Dois dias após o campeonato, ainda meio perplexo e reflexivo sobre a prática de fechar lutas, completei mais um aninho de vida. Participo de poucos grupos de Whatsapp. Mas, desses poucos, o que mais me rendeu mensagens de felicitações foi o da academia. Muitos dos que enviaram são parceiros de treino de horários diferentes do que costumo frequentar. Mesmo assim, fizeram questão de escrever palavras calorosas. É ou não é para sentir uma sensação boa, tipo aquela que a gente sente quando se está em família?

Como disse no inicio do texto, isso é algo novo para mim. Já pratiquei outros esportes, mas nenhum adotava essa filosofia. E você, o que acha? É possível que o conceito de família seja real nas equipes de jiu-jitsu? Você se sente em família na sua equipe?  O que acha da prática de fechar lutas para evitar um confronto com um irmão ou irmã de tatame? Use o espaço dos comentários para dar sua opinião.

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