“São necessários 10 mil horas de prática em uma atividade para se tornar um mestre.” (Anders Ericsson)
Não precisa pegar a calculadora, farei para você: 10 mil horas são 2 mil semanas de treinos diários, que são em torno de 37 anos de atividades… Detalhe: sem faltar! Assim, se entrar para o Jiu aos 18 anos de idade, será um mestre aos 55 anos. Se achou trabalhoso o caminho, fique no que acontece corriqueiramente, que é um aluno chegando à faixa preta com 10 anos de caminhada (o que ainda não o garante ser chamado de mestre, relembremos!).
Na verdade, o autor desta frase me pôs a refletir sobre onde quero chegar com essa prática de Jiu jitsu. Falo isso porque nunca fui a moleca que cresceu com brincadeiras de menino, no meio da rua, onde faltava amarrar o cadarço na canela como todos eles e escalar árvores e muros. Na verdade, eu fui a criança que usava sapatos fechados dentro de casa, cobrada para se comportar como uma mocinha e brincar quase que exclusivamente de bonecas até meus 12 anos (hoje isso até me deixa contente pois me manteve numa inocência infantil, embora ficasse olhando bastante pela janela meus primos na rua brincando descalços).
E isso refletiu muito quando me desafiei em um tatame. Quem não é já foi faixa branca: memorizar movimentos, apanhar, querer largar o esporte e lembrar que foi caro o kimono, que seu plano na academia foi anual, e então, recomeçar…
Acontece que desde que iniciei nesta arte suave para alma e severa para o físico tive tantos recomeços que chego a me perguntar porque continuar… Alterno entre dois Estados (Goiás e Distrito Federal) semanalmente… É uma “peleja” carregar kimono no carro, em malas… Fiz uma cirurgia de prótese mamária, parei. Tive uns apertos no mestrado, parei. Fraturei o punho durante um treino, parei. E agora estou na parte de fazer fisioterapias, e juro gente, a dor das sessões é tão grande que penso realmente em desistir. Deveria desistir mesmo! Pois eu desistiria, se o Jiu não trabalhasse em mim uma atitude que me identifico muito chamada dedicação! Conhecer pessoas talentosas é lindo, mas acompanhar os dedicados é de parar o coração… (risos).
Digo isso porque a dedicação a expressão de nossas ambições. É a representação de quanto desejamos algo. Veja só: há alunos que querem ser atletas, e mesmo com dificuldades de patrocínio, com falta de grana, enfim.. querem isso!! E entre eles as atitudes são semelhantes: com treinos dedicados, assiduidade e um olhar que brilha ao final de uma aula.
Mas esse mesmo esforço há em alunos que já enfrentaram problemas psicológicos e que além dessas atividades assentidas, encontraram em seu mestre e colegas de treino um apoio e amizade para a grande virada que precisavam fazer em suas vidas. E a melhora emocional foi tão desmedida que estar em prática corporal com a arte já é o bastante para querer levar o Jiu jitsu pelo máximo que puderem…
Entre os talentosos estão os que não saem do pódio nos campeonatos, que “rolam” com tanta inteligência emocional que a única expressão que vemos em seus rostos são olhares concentrados e pacientes. Atrás deste palco bonito que nos mostram, são pessoas que não se paralisaram dentro do tatame, que largaram vícios de cigarro, de drogas ou qualquer outro atraso de vida. Por favor, não os chamem de sortudos! Ahhh… não mesmo. Tenha certeza que foram e são muitas lutas internas e autoconhecimento em tempos de crise para alcançarem o talento que têm!
Tenho duas filhas crianças e as vejo brincando, poxa, como são criativas. Mas sei que o mundo vai apará-las, pois fez comigo, fez com você, claro que farão com elas. E então, a busca pela genialidade vai dar lugar a crise do talento. “Será que eu nasci pra tal atividade?”, perguntarão. Pergunto então nesta minha fase de fisioterapia para recuperação dos movimentos do meu punho: “será que nasci pro Jiu-Jitsu?”
Nasci sim, e o esporte é realmente para todos… mas atenção, para todos que buscarem! Esses 37 anos vão acontecer na minha vida, na sua… Então sugiro a voltar a essa batida pela genialidade, findar o dia e terminar o seu treino, teu trabalho, teus estudos e pensar: “Hoje foi top! Mas amanhã vai ser melhor!” E repetir os dias assim, pois todos nós podemos tudo, basta termos obsessão em nossas buscas! Não encaremos a derrota como desculpa para não fazer melhor e prosseguir!
Espero que essas pausas que me aconteceram em meu primeiro ano de estrada pelo Jiu jitsu (que são poucas diante das que virão nesta arte suave que levarei pela vida toda) me ensine a não ser imediatista. O caminho é longo. E se lá na frente eu mudar de ideia e não mais quiser ou puder praticar, deverei entender que todo este tempo foi útil e me amadureceu para minhas próximas paixões…
É sutil o que quero passar como mensagem e talvez esteja nas entrelinhas das minhas experiências que hoje compartilho, mas tente entender que somente nós mesmo sabemos o que passamos para chegarmos ao ponto de não desistirmos de algo… Viver deve ser algo que quando, lá na frente, tivermos o sucesso e junto dele os flashes dos momentos das crises que passamos, possamos nos exclamar: “Uau! Foi demais prosseguir. Ainda bem que continuei naquela época.”
Avante queridos! Beijo carinhoso.
“O segredo da genialidade é carregar o espirito da infância na maturidade.” (Thomas Huxley)