Mais defesa pessoal feminina/LGBTS, por favor

Era aula do sábado à tarde, a aluna chegou com um sorriso sem graça querendo me contar algo que tinha acontecido na última noite. Não tinha certeza se contava ou não, mas, tínhamos feito um trato. Estamos há tanto tempo tentando desconstruir a imagem dos pitboys da década de 90, solicitei que meus alunos não se envolvessem em confusões em bares ou casas noturnas. Entretanto, nesse caso, foi diferente.

A aluna me relatou que estava no balcão da boate e um rapaz foi aproximando-se, puxando conversa. Ela percebeu que ele estava se aproximando demais e solicitou que se afastasse um pouco. Não adiantou. O rapaz ultrapassou aquele limite invisível das boas relações e se achou no direito de tocá-la, pegando com força no seu braço. Ela não pensou duas vezes, tacou-lhe um soco bem no seu olho. Esperando uma reação de alguém para lhe ajudar… Ninguém apareceu. Ela teve que sair do local em disparada, aos olhares abismados e alguns sussurros de: que mulher exagerada!

Não sou uma pessoa que crê em misticismos, mas, por incrível que pareça, tínhamos treinado socos e chutes na aula anterior, como aquecimento. Ouvindo seu relato, percebi que a história poderia ser diferente, como várias outras histórias que vemos todos os dias. Nunca refletimos e nunca sabemos que hora vai ser útil o tipo de conhecimento oferecido nas aulas. O valor de uso da defesa pessoal só é percebido no pior momento para uma mulher ou LGBT, um momento repugnante.

Eu não consigo imaginar o que é dizer para uma pessoa, “não!” e ela ignorar. Se achar no direito de me tocar, pois, acredita que estou disponível por estar sozinha num bar ou casa noturna. Principalmente num país que é um dos mais violentos com mulheres e LGBTS. Deve ser uma sensação de impotência horrível. Imagino que deve se aproximar da sensação que eu senti quando vi num noticiário que uma aluna da mesma universidade que frequento foi violentada em plena luz do dia sob ameaças de um alicate. Eu, professor de Jiu-jitsu, que discuto direito de minorias nas redes sociais estou assistindo mais um caso de violência. Apenas assistindo e permanecendo na ordem do discurso.

Não Mais! Me reuni com alguns camaradas que sofriam do mesmo incômodo e criamos o primeiro (de muitos) mini curso de defesa pessoal para mulheres e LGBTS na universidade. Até a data de publicação deste texto já oferecemos três módulos realizados. Ouvimos muitos relatos tristes, que espero que fiquem no passado dessas pessoas. Fiquei muito assustado em perceber que os números estatísticos que tanto divulgo nos nossos textos estavam tão próximos, escondido no silêncio e na dor de algumas camaradas de instituição de ensino.

Por que Mulheres e LGBTS? Não posso desprender os casos feminismo e LGBTS pois são opressões semelhantes, que partem da mesma lógica de estrutura social. Como diria Jamil Cabral Sierra, no livro Babado Acadêmico no Recôncavo Baiano, eu estaria correndo o risco de violentar experiências de vida que se coletivizam em torno de uma luta comum, que ensaiam a constituição de outros modos de agir na vida e na política. Que tentam sobreviver neste contexto desfavorável, podemos dizer, tentam sobreviver a este extermínio, praticamente.

O PROTAGONISMO DO JIU-JITSU/JUDÔ

Por serem lutas de curta distância, onde o adversário quase que impossibilita uma fuga, o jiu-jitsu ou o judô são as artes marciais fundamentais no quesito defesa pessoal. Tanto na luta em pé ou no domínio de solo. Estas artes proporcionam ao seus praticantes possibilidades de utilização de alavancas ou de utilizar a força do oponente contra ele mesmo. Oportuniza o mais fraco dominar tecnicamente o mais forte, e claro, algumas posições se assemelham muito com uma situação de estupro ou violação. Perceba como a aproximação de um agressor é semelhante a nossa pegada no início da luta, e como o treino de evitar a pegada é semelhante a uma pessoa querer te tocar. O que aconteceria se você aplicasse uma queda num cara que não treina sem a ajuda de um tatame?

Certamente você já deve ter visto alguns vídeos tratando de defesa pessoal, já deve ter treinado algumas posições na academia. Já leu alguns textos falando a respeito. Mas deixa eu te dizer uma coisa muito importante: ninguém está preparado psicologicamente para viver uma situação de violação como também, as prioridades do nosso dia a dia não permitem que vocês façam uma reflexão dos riscos. Te digo isso pra que você entenda que não é suficiente apenas agir quando acontecer, mas que você pense em estratégias de evitar a violação.

Não raciocine, de maneira alguma, que estou dizendo que é justificável, ou que você é culpada pela violência que sofre. Estou te dizendo que, igual ao caso citado, no início do texto, você pode ser interpretada como mais uma “mulher histérica”, ou “exagerada”, de ter ajuda negada por acharem aquilo apenas um flerte. E te digo isso com a experiência de outros relatos que ouvi de mulheres/LGBTS que reclamaram de um babaca numa festa. Temos esta estigma que foi naturalizada por muito tempo que uma mulher sozinha numa festa ou casa noturna está disponível. Lembra da cobrança do valor menor de entrada em eventos para mulheres? Ações que criam subjetividades. Pra você ter uma ideia, no dia 28 de agosto deste ano a escritora Clara Averbuck foi violentada por um motorista de Uber voltando pra casa. Já é a segunda experiência triste da escritora que estava sozinha.

Claro que o jiu-jitsu ou o judô não vão dar conta de resolver todos os problemas a respeito da violência, ou por fim a ela. Entretanto, quando os limites forem ultrapassados ele será a última coisa que você terá para garantir sua integridade física. Por isso, solicite ao seu professor mais aulas voltadas a essa perspectiva como também compreenda que o calendário do Sensei não pode girar em torno apenas da defesa pessoal. Converse com ele sobre posições mais próximas dos casos de violência sexual, tanto no solo como em pé e, claro, posições que você esteja sendo pressionada contra a parede. Treine sem kimono algumas posições, o agressor não estará com um Wagui ou paletó de kimono na balada ou na rua. Solicite treinos de chutes e socos práticos e objetivos, tipo, chutes no testículo, socos no olho, cotoveladas. Raciocine sempre que a defesa pessoal se baseia em movimentos rápidos porém precisos ou contundentes, sucessivos de uma fuga. Um simples e básico dedo no olho resolve muita coisa, e que alguns objetos podem ser utilizados como arma.

É muito importante que o ensino da defesa pessoal seja bem direcionado em casos específicos. Ajuda na compreensão ou ajuda a aluna(o) a resignificar as situações que ela provavelmente tenha passado ou observado, possibilitando a autonomia.

Compartilho de uma certa tristeza, em ter que escrever um texto com estratégias de combate quase que militares, mas, a nossa realidade não está para muita brincadeira. Somos o país que registra dez estupros coletivos por dia. Isso não é normal. Como não é normal ter corpos de mulheres e LGBTS violados em festas, casas noturnas, churrascos… O problema está muito próximo e reafirmo, o jiu-jitsu ou o judô não vão parar estes índices, mas, é a melhor carta para se ter como aliada quando sua vida ou integridade estiver em risco. Oss!

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