Um jiu-jitsu para chamar de seu

Eu nasci menina e desde cedo fui instruída a crescer para ser modelo de algo sobre o qual eu nunca entendi. Lembro bem que eu não podia nada enquanto os meninos podiam tudo e por conta disso houve um tempo em que eu desejei com todas as minhas forças ser um menino pra poder jogar bola na rua, brincar na chuva, subir nas árvores e até ter a escolha de não ganhar bonecas nas datas festivas.

Com o tempo eu comecei a perceber que não havia problema algum em ser menina, o problema estava nos outros, nos meus pais, irmãos, tios que pareciam me direcionar para ser uma mulher perfeita, uma mãe exemplar e uma profissional competente. Por outro lado eu nunca os vi direcionando meus irmãos para nada disso, na verdade meus irmãos foram criados como bichos soltos, fazendo e acontecendo na vizinhança, na escola, nas aulas de natação e nas festas de família. E eu era aquela menina frustrada de vestido rosa no canto do sofá que rezava para a festa acabar logo.

Ora, falo com toda a veemência que a última coisa que passava pela minha cabeça era ser perfeita ou ser mãe. Eu sequer sabia qual profissão iria seguir e muito menos se seria competente. A verdade é que eu fui tolhida de sentimentos simples e maluquices bobas que para eles não acrescentavam em nada no meu aprendizado, mas que para mim eram tão essenciais que me fizeram julgar o mundo injusto por muito tempo.

Eu nunca cheguei em casa com os joelhos sangrando, não fraturei um osso, não briguei na escola e nem fui chamada por tacar pedra na vidraça do vizinho. Meus pais queriam que eu praticasse um “esporte de menina”, de preferência que não tivesse contato com outros meninos, sabe? Mas se é verdade que o destino coloca as coisas em nosso caminho para que tropecemos nelas, eu posso dizer que tropecei, caí e nunca mais quis levantar quando fui ao anexo da quadra de esportes da minha escola e me deparei com uma cena que me deixou perplexa e apaixonada: “Oi, prazer, eu sou o jiu-jitsu!”.

Olhei o treino todo, participei de algumas aulas sem informar a minha família e isso me convenceu a enfrentar os meus fantasmas, afinal, a causa era nobre. Sabia que não seria fácil começar, pois meus pais jamais deixariam eu praticar algo assim tão “agarrado”, havia a necessidade daquela roupa pesada e cara e ainda o fato da turma ser majoritariamente de meninos.

Por outro lado havia algo mais forte em mim que implorava para eu tentar de qualquer forma e não me conformar com uma resposta diferente do “sim”. Tinha que ser “sim”, porque a minha vida limitada acabara de tomar um rumo diferente daquele do qual fui excluída sem nunca ter pertencido a ele. Agora eu enxergava um universo onde eu podia me superar a cada dia e ser mais do que aquela menina frágil e sem machucados, vestida num maldito vestido rosa na festa da família.

Enfrentei meus pais num dia de chuva e parecia que as lágrimas do mundo estavam tentando lavar as suas almas insensíveis. Pedi reunião de família, algo nunca feito antes por esta menina de pouco mais de uma década e meia de vida que estava decidida a arcar com as consequências de uma resposta insatisfatória e lutar pelo direito de estar num tatame, quem sabe pelo resto da vida. Fui sincera como se não houvesse amanhã, fiz drama, usei os argumentos mais convincentes, implorei diante dos questionamentos e ajoelhei para calar as negativas, até conseguir, entre olhares incrédulos, um “vamos ver como é esse tal de jiu-jitsu”.

Foi então que eu percebi que o “não” não era mais a palavra que regia a minha vida e pela primeira vez eu me senti como a menina que chegou em casa com o joelho sangrando, que levou esporro dos pais, mas ganhou um lindo curativo como troféu: “a dor é passageira e a ferida cicatriza”.

Já se passou quase um triênio desde que senti o jiu-jitsu pela primeira vez e eu posso afirmar que nunca mais quero parar de ser feliz novamente.

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