Primeiro dia de árbitro: “o inferno são os outros”

O problema não é meu
O paraíso é para todos
O problema não sou eu
O inferno são os outros…

Titãs

Depois de um domingo inteiro de estudos e avaliações práticas e teóricas, recebi o resultado e o convite para, pela primeira vez, arbitrar um campeonato estadual de jiu-jitsu. O que, na minha concepção, para quem quer e precisa viver do jiu-jitsu é uma experiência essencial. Além de ser um experimento altruísta. Chegou o momento do atleta competidor encarar o outro lado do processo, o lado daquele que em alguns momentos “dificultaram meus resultados”.

Durante estes 8 anos de competições, em algumas e principalmente quando meu resultado era negativo, tinha uma figura a quem eu creditava tal infortúnio. Não era o adversário, não era eu, era justamente o elemento mediador, que estava ali para fazer ser cumpridas as regras da respectiva federação. Jogando contra os meus planos. Até que ponto minha afirmação é pautada na pura verdade? Só estamos analisando a situação apenas no meu ponto de vista, e, pra ser sincero, neutralidade nem no sabonete que usamos.

O que quero dizer é que nossas afirmações são carregadas de nossas experiências e de nossas aproximações com qualquer objeto, dialogando com nossa visão de mundo. Uma passagem de guarda muito dura e agressiva pode ter sido percebida desta forma apenas para o guardeiro, o passador pode se apoiar em outros pormenores. Saindo como um drone da academia ou do ginásio de competições e olhando com um zoom as relações na cidade, acontece da mesma forma. No estado… no país…

Jean-Paul Sartre (1905-1980), filósofo francês, dissertava sobre tais relações, e uma de suas celebres frases é “O inferno são os outros”. O pensador era defensor do existencialismo, uma corrente filosófica que defende a liberdade do homem em determinar seu destino, a sua própria vida para ser mais exato. O ser humano não nasce pré-determinado a ser um jogador de futebol, empresário ou árbitro de jiu-jitsu. Somos moldados por nossas decisões.

Nossa imagem social é construída a partir do que fazemos. E, segundo Sartre, nossos projetos, sejam quais forem, podem ser atrapalhados ou entrar em choque com o do outro. Se não somos seres isolados e nossa evolução se deu através das relações sociais, o outro pode de certa forma, interferir nos meus resultados, logo, o outro também me mostra meus defeitos e minhas fraquezas. A célebre frase de autor desconhecido, que roda algumas redes sociais a respeito do jiu-jitsu “você perde ou aprende” ou“agradeça a seu adversário, ele mostra seus defeitos” possuem uma certa relação com o olhar do outro internalizando esta relação como proveitosa. Mas nem sempre é.

O papel do árbitro durante a competição, além de cumprir e fazer cumprir o regulamento da federação, é garantir o andamento do combate, preservando a integridade física dos competidores, como também observar e preservar pela segurança desses. Sinalizar corretamente as devidas pontuações e punições, determinar o vencedor da luta, agindo de maneira clara e imparcial, baseado em sua interpretação do combate. Isso não exclui a condição de ser humano. E nosso texto também não trata de um manifesto de exclusão de culpa, só temos que entender que não posso atribuir único e exclusivamente a um membro, o resultado de minha luta (e como já falei, neste caso, só quando o resultado não me favorece). Foi o olhar do outro, você foi observado por outro.

O inferno causado pela insatisfação do resultado se expressa no, agora inimigo, árbitro que passa a ser detestado, ou até odiado. Aproveito para relembrar que mesmo com a lógica competitiva, que atrai o atleta cada vez mais para o treino focado em estratégias de pontuação, a arte suave busca a finalização, melhor fator para determinar uma decisão.

Aconselho a todos a experimentarem estar no centro das atenções diante de uma plateia sedenta do resultado a seu favor. Além disso, da oportunidade de poder vivenciar todas as apresentações que um atleta pode desenvolver dentro do esporte. Ajuda a olhar com mais cuidado e precaução suas atitudes e comentários, como também é um excelente know-how.

Saliento também a necessidade de mais mulheres exercendo a função, lembrando da influência e importância simbólica de tal participação. Ainda é muito escasso o quadro de árbitras no nosso jiu-jitsu.

“O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós” (Sartre).

Referências:

SARTRE, Jean-Paul. Esboço para uma teoria das emoções. Porto Alegre. L&PM, 2008.

SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: Ensaio de ontologia fenomenológica. 15ª ed., tradução de Paulo Perdigão. Petrópolis: Vozes, 2007.

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