Quem acompanhou nossa última crônica sobre duas guerreiras em realidades diferentes, percebeu que Vanessa, a personagem mais privilegiada socialmente, era acometida por ansiedade, e isso lhe rendeu problemas psicossomáticos que afetaram seu desempenho na luta.
Embora se trate de um texto de ficção, uma subjetividade minha, os dados científicos e da realidade nos mostram que este é um problema crescente e causado pelo modo de produção/reprodução da vida atual. Segundo pesquisa da OMS (Organização Mundial de Saúde), 33% da população mundial sofre de ansiedade. Os dados mais alarmantes no país estão no estado de São Paulo. De acordo com a mesma pesquisa, 29,6% dos paulistanos e moradores da região metropolitana de São Paulo sofrem algum tipo de perturbação mental.
A ansiedade, ou síndrome da ansiedade, é um estado emocional negativo no qual sentimentos de nervosismo, preocupação e apreensão se associam com ativação ou excitação do corpo. Fisiologicamente, nosso corpo sofre alterações como: aumento dos batimentos cardíacos, respiração, suor excessivo, náuseas, vômitos, tonturas, tremores e dores de cabeça, por conta da liberação excessiva de hormônios como epinefrina (“adrenalina”, como conhecemos).
Alguns especialistas apontam como causa, em sua grande maioria, a forma como são oferecidos produtos e satisfação rápida aos indivíduos, para suprimir o déficit de satisfação que estes passam por estarem sobrecarregados de atribuições em casa, trabalho, estudo e relacionamentos. A grande cobrança em ser o melhor ou o destaque em todas as tarefas que o ser humano desempenha também contribui. Os indivíduos anseiam por uma forma de estarem socialmente à frente do outro. Observe o movimento da realidade, no qual pessoas se encontram nas mesas de restaurantes ou encontro de amigos, exibindo suas mais recentes aquisições (celulares, roupas, joias, carros).
Algumas trabalhadoras, somando trajeto/percurso de casa para o trabalho, levam cerca de 4 horas para irem e voltarem, em meios de transporte abarrotados de gente, ou enfrentando engarrafamentos. 4 horas de trajeto + 8 de expediente = metade de um dia entregue ao estresse e às pressões.
Se pensarmos no universo feminino, somaremos estes dados aos índices de violência crescente e a cultura ainda muito forte da atribuição de tarefas domésticas a nossas guerreiras. As mulheres dedicam 27,7 horas por semana para tais tarefas. São cerca de 2,5 maior que o gênero masculino, que gasta 10,2 horas.
O maior medo de uma mulher hoje é ser estuprada, e os dados só confirmam, numa pesquisa solicitada pelo instituto Datafolha, 67% da população tem medo de sofrer violência sexual. Nestes dados, 90% das mulheres tem esse medo.
As liberações de hormônios, vulgarmente chamados “hormônios do prazer” (endorfina, dopamina e serotonina) através da prática regular da arte suave é incontestável. Porém, por estar altamente relacionada com a sociedade, as atividades esportivas reproduzem alguns aspectos negativos, quando direcionadas de maneira errada. Robert S. Weinberg, no livro Fundamentos da psicologia do esporte e do exercício, traz algumas informações a respeito destas relações e conceitua algumas situações a serem observadas por atletas e professor(a)(s).
Ansiedade-estado
Refere-se ao componente de humor em constante variação. São sentimentos de apreensão e tensão, percebidos pelo consciente, e que são acompanhados de excitação do sistema nervoso. Exemplo: uma atleta pode mudar seu nível de ansiedade de um momento para o outro da luta. Ela pode estar altamente ansiosa antes do início do combate e, durante o combate ao perceber o ritmo da luta, seu estado voltar ao normal. A ansiedade-estado causa, quando experimentado em níveis elevados, a tensão muscular, fadiga e dificuldades de coordenação.
Ansiedade-traço
É uma disposição adquirida, e condiciona uma pessoa a perceber como ameaçadora uma ampla variedade de circunstâncias, que na prática não são. Os indivíduos com ansiedade traço respondem a estas “ameaças” com níveis desproporcionais de ansiedade. Exemplo: duas atletas de mesma habilidade física, expostas a mesma situação, terão resultados diferentes devido às suas personalidades. Na crônica, Talita era mais calma que Vanessa.
Estresse
O autor classifica como um desequilíbrio entre demandas físicas e psicológicas impostas ao indivíduo e sua capacidade de resposta. As falhas destas demandas causam respostas importantes. Como exemplo, quando o mestre solicita que a graduada execute uma posição recém-aprendida. A responsabilidade em reproduzir perfeitamente tal solicitação pode lhe causar o estresse. Vale salientar que estas percepções variam de um indivíduo para o outro.
As consequências podem ser o aumento da ansiedade-estado (variação de humor) e ativação fisiológica. Pode-se também causar alterações como falta de concentração e aumento da tensão muscular. Se a atleta se sentir excessivamente ameaçada em sair mal diante das colegas, este processo pode se tornar um ciclo contínuo.
A incerteza que cerca o resultado do evento, a importância que se dá a tal, a alto-estima e a ansiedade física social (pré-disposição a ficar nervosa quando seu corpo é avaliado) são consideradas pelo autor como causas do estresse e ansiedade n(a)s atletas. Tudo, como podemos observar, em prol de se alcançar uma perfeição ou se destacar positivamente diante do grupo.
Como evitar/tratar estes casos:
- Identificar nos alunos, em si mesmo ou nos colegas estes traços são de suma importância.
- A identificação dos fatores que causaram/causam (pessoal ou situacional) o estresse ou ansiedade vai determinar novos caminhos para se trabalhar a autoestima ou a confiança do atleta/aluno, ajudando a controlar estes sintomas.
- Conversar sobre o quanto é mais importante ter o aluno/atleta do que o desempenho que o mesmo tem ou terá nas competições ou aulas.
- Fortalecer a unidade do grupo, explicando o quão é mais forte o coletivo do que a individualidade.
- Explicar que somos seres humanos, imperfeitos, passivos de erros, mas que podemos alterar a nossa realidade, aprender com os erros, e superar juntos todo tipo de adversidades.
Entre estas e outras opções, direciono a leitora a observar o quanto é perigoso o caminho do desempenho. Assim como na crônica entre Talita e Vanessa não existe heroína e vilã. As pessoas são acometidas a situações e instituições que moldam suas personalidades (família, trabalho, escola, religião, amigos), e isso reflete em seus comportamentos. Deixo também o alerta para algumas cobranças impostas e o movimento de nossa sociedade.
“As pessoas não são más, elas só estão perdidas…” (Criolo)
Referência
WEINBERG, Robert S. Fundamentos da psicologia do esporte e do exercício. Tradução Cristina Monteiro – 4. Ed.- Porto Alegre: 2008
Leia também: