Entrevista exclusiva: Leticia Ribeiro

Leticia Ribeiro, faixa preta 4º grau da Gracie Humaitá, é uma das maiores referências do jiu-jitsu. Ela faz parte do Hall da Fama da IBJJF e é dona de 9 títulos mundiais. A professora passou um tempo aqui no Brasil e fez um seminário na Gracie Kore, academia de outra lenda, Kyra Gracie. No fim, Letty respondeu a perguntas sobre sua carreira e também conversou com a gente do BJJ GIRLS MAG para contar um pouco mais da sua história.

Era apenas uma menina quando começou a treinar, com 14 para 15 anos lá na Gracie Tijuca, academia tradicional no Rio de Janeiro. Já era amante de esportes, mas o jiu-jitsu veio para ficar, se apaixonou. Não foi algo que ela buscou, mas que apareceu como uma obra do destino na sua vida. Tinha amigos que já treinavam e depois de ir a um campeonato, decidiu começar a treinar. “Depois da minha primeira competição, acho que foi quando realmente marcou. Depois disso não parei mais de treinar e competir, foi só mais uma motivação”, ela conta.

Letty conta que o jiu-jitsu mudou sua vida como um todo. Ensinou sobre educação, valores, a como se portar. Além disso, deu oportunidades para ela conquistar muita coisa. “Não estaria onde eu estou, nos EUA, se não fosse o jiu-jitsu. Mudou os valores da minha vida. Me tornei uma pessoa melhor, aprendi muita coisa com o esporte. Não só com competição, mas os valores em geral que o jiu-jitsu me ensinou.”

E quantas coisas que ela conquistou! O desejo de ser professora começou cedo. Ainda na faixa azul, já ajudava em algumas aulas, pois não tinha dinheiro para pagar a academia. Se identificou com isso e já pensava em ser professora um dia. Antes mesmo de se dedicar 100% a isso, quando ainda estava com uma carreira ativa de competidora, já formava atletas.

“Eu treinava com elas, queria que ficassem boas para ser um treino bom para mim. Formei duas muito boas, a Carol e a Bia, que se tornaram campeãs mundiais em todas as faixas. Ao mesmo tempo que estava formando elas como atletas, tinha um treino melhor para mim todos os dias. Então quando elas começaram a se dedicar e serem campeãs também, isso me motivou como professora.”

Letty conquistou 9 títulos mundiais. Seu último mundial foi em 2014. Quando decidiu não lutar mais e mergulhar de cabeça na carreira de professora, foi muito difícil. “Como eu tava full time na academia, dando aula, cuidando da administração da academia, então ficou um pouco inviável treinar do jeito que eu treinava. Eu sei como tem que treinar para ser campeã, e não tava conseguindo. Então eu decidi que não tinha como ir lá, destreinada. Mas foi muito difícil, muito choro.”

Sobre as competições, ela brinca: “não falei ainda que eu me aposentei, porque de repente vai que eu faço uma luta casada, não sei (rs)”. Com certeza, seria ótimo e um prazer para todo mundo ver a Letty lutando de novo depois de alguns anos afastada das competições.

Jiu-jitsu feminino

A cada dia que passa, vemos mais mulheres praticando e investindo no jiu-jitsu como uma carreira (seja como atleta ou professora). Na época da Letty, era mais difícil. Ela conta que da sua geração, a maioria parou. “Da minha academia, acho que a única que seguiu como atleta fui eu, mas tiveram muitas que atingiram a faixa preta. Mas viraram mães, advogadas, arquitetas, seguiram outros rumos, não o de atleta.”

Sobre os benefícios da arte suave para as mulheres, ela destaca que são muitos. Como a ajuda com o estresse do dia a dia de trabalho, família, filhos. E completa: “melhora o corpo, a autoestima, a confiança em relação a ser mulher. No país machista que a gente ta, a gente já tende a se diminuir, então o jiu-jitsu ajuda a gente a se colocar no nosso lugar, que é o mesmo de todo mundo.”

O time feminino da Gracie South Bay, sua academia, é um doa maiores do mundo. O segredo? O exemplo. “O fato de eu ter sido campeã e já ter formado outras campeãs ajuda muito”. Bia Mesquita chegou a lutar junto com sua professora e, depois que ela se afastou, a pupila seguiu lutando e de frente no time de competidoras. “Hoje a gente tem muito talento na academia. Isso facilita, tem o diamante e só precisa lapidar.”

Foto: Facebook da Leticia

Mesmo com muitas meninas no jiu-jitsu, ainda vemos muitos campeonatos vazios, principalmente os regionais. Letty ressalta que a falta de incentivo financeiro implica muito nisso. “Tem que pagar o campeonato, tem que tomar suplementação, e você pensa ‘poxa se eu não fizer isso não vou ser campeã, então porque vou lá?’ Então é tudo em torno da falta de preparação, dificuldade financeira para se preparar, é tudo uma bola de neve.”

Não temos como negar: o incentivo às mulheres no jiu-jitsu carrega uma dificuldade desde a época da geração da Leticia, Leka, Hannette. As mulheres faixas pretas não lutavam no mesmo dia que os homens da mesma faixa. Não apareciam em capas de revista. O reconhecimento e, consequentemente, o incentivo, não era o mesmo. Isso vem mudando há um tempo, mas ainda temos o que conquistar.

Jiu-jitsu nos Estados Unidos

Em 2007, Leticia foi lutar o Mundial nos Estados Unidos e na edição seguinte, já foi para ficar. Ela conta que decidiu se mudar para lá por conta de oportunidades que não tinha aqui no Brasil. Conseguia dar aula, treinar e se dedicar exclusivamente ao jiu-jitsu. “Foi muito bom para a minha carreira, fiquei os primeiros quatro anos competindo, ganhei quatro campeonatos mundiais seguidos [2009 a 2012], porque eu tava 100% dedicada ao esporte. E com uma tranquilidade na minha vida, pois eu treinava e me sustentava com o jiu-jitsu. Era o tempo todo jiu-jitsu.”

Segundo a faixa preta, viver de jiu-jitsu nos Estados Unidos é muito bom e é um lugar que tem incentivo. Claro que nada vem de mão beijada (em lugar nenhum), mas ela conta: “o patrocínio é mais fácil, o incentivo das pequenas empresas, que apoiam o esporte. O mais importante é o apoio que é dado antes pela família, que facilita.” Letty contou que lá a cultura do esporte em geral é maior que aqui. Com incentivo dentro e fora das famílias.

Ela ressalta aqui por aqui, as equipes estão se profissionalizando também. E que o mais importante é o apoio ao atleta. “A academia começa a se estruturar e quando começa a apoiar o atleta, a galera que ta dentro da academia, então a coisa começa a funcionar melhor, o caminho é por aí.”

Foto: Facebook da Leticia

Por fim, ela nos deixa um recado. Mesmo que você não seja atleta, é importante se dedicar ao esporte, pois ele só tem a agregar e dar direção na nossa vida. Letty ainda conta que queria vir mais ao Brasil para dividir conosco toda essa experiência e que vai tentar vir com mais frequência.

O incentivo é seguir seus sonhos, batalhar pelo que você quer. Se dedicar, ter disciplina. Acho que isso é a base. Um beijo para todo mundo, que continuem treinando, se dedicando ao esporte, fazendo amizades e seguindo em frente.


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