Amo a canção Samba do Approach. A composição é do maranhense Zeca Baleiro. Mas tenho predileção pela interpretação de outro Zeca, o Pagodinho. Os versos dizem: Venha provar meu brunch / Saiba que eu tenho approach / Na hora do lunch / Eu ando de ferryboat… / Eu tenho savoir-faire / Meu temperamento é light / Minha casa é hi-tech / Toda hora rola um insight. Acho divertido e genial o ritmo musical brasileiro mais conhecido no mundo se apropriando de vocábulos estrangeiros de forma tão natural.

Dia desses, retornava para casa após um treininho inspirador. Corpo cansado – e amassado – mas com alma leve. Dirigia meu carro pela avenida W3 Sul, em Brasília. O sambinha que tanto gosto começou a tocar no rádio. Comecei a pensar como o jiu-jítsu – um esporte que se orgulha de ter raízes brasileiras – tem cada vez mais se apossado de termos e locuções do idioma anglo-saxônico. E o faz naturalmente, da mesma forma como Zeca Pagodinho canta.

                Ok, darling! É indiscutível que a arte suave se internacionalizou e passou a ser conhecida mundialmente por bi-diei-diei – BJJ (Brazilia jiu-jítsu). Eu, particularmente, não tenho nada contra. Acho um processo normal e, até certo ponto, irreversível. É a globalização, brother! Palavras inglesas são pronunciadas naturalmente dentro das academias de BJJ em todo o Brasil por professores e alunos brasileiros. Contudo, ainda prefiro os nomes dos movimentos e golpes pronunciados no nosso português. É uma questão de simpatia. Acho as expressões e gírias brasileiras mais criativas. Beiram a irreverência. Os termos em inglês são objetivos e lógicos. Falta certo approach, o que significa que falta borogodó, ziriguidum e balacobaco, segundo diria Zeca Baleiro.

                Se durante um rola (adoro essa palavra), você quiser aplicar um double leg, tudo bem. Mas venhamos e convenhamos. Dizer dar uma baiana é muito mais legal. Outro golpinho bem simples de se entender – o estrangulamento – passou a também ser chamado de choke nos tatames brasileirosHá ainda os famosos armlocks. O termo já está mais que incorporado à rotina das academias. Oficialmente já é mais utilizado que o congênere em português.

Recentemente li em uma revista especializada em artes marciais uma matéria com o título “Doze drills para você turbinar seu treino”. Falar drill parece ser mais sofisticado. Mas, em minha opinião, complica um pouco. Eu teria escrito exercícios ou movimentos.

Dizer treinos sem kimono parece muito simples. Creio que acharam melhor aprimorar a prática e dizer aulas No Gi, de submission ou grappling. Outro hábito que tem se espalhado é usar a palavra team no lugar de equipe. Antes era Equipe do Carlão. Agora é Big Charles Team. Os símbolos ou escudo das equipes foram rebatizados de patchs. Até a turma das antigas agora se refere a si própria como galera old school.

                Reafirmo que não me oponho ao uso de palavras inglesas na prática do jiu-jítsu, mesmo que a academia fique no Brasil e todos os professores e alunos sejam brasileiros. Mas repito que amo as palavras e gírias brasileiras: rola, upa, mão-de-vaca, baiana, berimbolo, botinha, fechar o cadeado, colocar para dormir, raspar, guardeiro, passador, mata-leão e puxar para a guarda me soam mais agradáveis. Familiarizo-me com tais termos. Acredito que a brasilidade por trás de cada palavra traz um ar de nostalgia e, automaticamente, me transporta para outros tempos e lugares.

                A mão-de-vaca, por exemplo, me parece tirada do Brasil rural. Lembro-me das tantas fazendas e sítios que visitei em Goiás e Minas Gerais, onde tenho parentes. O primeiro movimento que aprendi no jiu-jítsu foi o upa. Essa palavrinha me recorda infância. Quando criança, brincava na barriga do meu pai de dar pulinhos e gritar upa-upa. E hoje repito a brincadeira com minhas filhas. Mata-leão me traz a mente uma imagem hercúlea. Imagina um homem matar um leão com os braços? Contudo, a que gosto mais é berimbolo. Não a encontrei em dicionários formais da língua portuguesa. Na minha cabeça, berimbolar é misturar, enrolar, embolar, fazer um bolo doido. Pelo menos é tudo isso que vem a minha mente quando vejo vídeos dos irmãos Miyao aplicando o movimento e, como se fosse bruxaria, pegam as costas do adversário.

Agora, para não ficarmos apenas no campo da relatividade, podemos aproveitar a oportunidade e fazer uma reflexão. Recentemente comentei sobre o assunto com um professor. Ele disse que, durante um curso de arbitragem que fez, ouviu um renomado mestre desabafar e dizer que o jiu-jítsu ainda vai perder a identidade brasileira se professores e praticantes da arte suave continuarem a usar palavras inglesas de forma tão trivial. Segundo esse mestre, ele tem arrepios quando ouve um juiz gritar fight em vez de combate antes dos rolas. Ainda lembrou que o judô e taekwondo só utilizam, respectivamente, palavras japonesas e coreanas como forma de reforçar suas origens.

                Você concorda com essa reflexão? O assunto rende. Aproveite o espaço destinado aos comentários para dar sua opinião. O que você acha da adoção de palavras em outras línguas, principalmente o inglês, no cotidiano do jiu-jítsu brasileiro? Diga também quais são os nomes de golpes e movimentos que você mais gosta.

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