Minha filha mais velha participou de um torneio há algumas semanas. Foram três lutas. Ela venceu todas. Como pai babão que sou, gravei tudo em vídeo. Depois fiz um compilado e publiquei em uma rede social. Uma amiga, que tem uma filha na mesma idade que a minha, ficou impressionada. Encontramos-nos alguns dias depois da competição. Comentando os vídeos, em tom elogioso, ela disparou: “Adorei sua filha lutando. Ela é muito forte. Minha filha é muito menininha. Só quer saber de balé”.
Essa amiga, muito querida por sinal, transmitiu sem querer um pensamento equivocado, mas abrangente. Muita gente ainda acha que praticar artes marciais é uma oposição à ternura, delicadeza, graça, sensibilidade e doçura, características consideradas “femininas” (entre aspas porque as meninas não nascem com essas características, e sim, a sociedade espera isso das mulheres; mas isso é assunto a se abordar em um próximo texto do BGM). O debate sobre mulheres adultas praticarem artes marciais tem avançado. E graças a essa discussão, o preconceito sofrido pelas praticantes vem, aos poucos, sendo vencido. As academias estão lotadas. Entretanto, ainda percebo grande receio por parte de pais e mães em permitir e incentivar filhas pequenas a praticar lutas. Na turminha da escola em que minha filha estuda, ela é a única praticante. Certa vez, ela comentou que algumas amiguinhas também querem treinar, mas os pais não deixam.
Há um ano, desde que minha filha começou a exibir seu kimoninho rosa, tenho convivido com comentários semelhantes ao de minha amiga. Acontece no elevador, no caminho entre nossa casa e a academia, quando passamos em um café depois do treino ou quando alguém vê uma foto ou vídeo que insisto em publicar nas redes sociais. É notório a surpresa estampada no rosto de algumas pessoas ao descobrir que uma garotinha de 5 anos luta jiu-jitsu.
Até tentam ser gentis em suas palavras. Porém, apenas recorrem ao eufemismo. Ouço frases do tipo: “Não é agressivo para meninas?”; “Você não tem medo de que se machuque brincando igual menino?”; “Legal saber luta, mas acho mais importante meninas saberem se defender com argumentos”. Apesar dos cuidados com as frases, o que querem dizer na verdade é que jiu-jitsu não é coisa de menina.
Bonecas e quimonos
Amo a foto que ilustra esse artigo. Mostra minhas filhas no quarto brincando de casinha com suas bonecas. O diferencial: ambas estão vestindo kimonos cor-de-rosa. Eu tirei a foto. Era uma manhã e havíamos acabado de chegar do treino da mais velha – a caçula ainda é muito pequena e só “brinca” de treinar. As deixei no quarto e fui fazer qualquer coisa. Quando retornei as vi ali se divertindo. Conversavam com as bonecas enquanto trocavam roupinhas, penteavam os cabelos e fingiam passar maquiagem. Tudo na maior delicadeza e capricho. Pensei: tenho que registrar esse momento. Então peguei o telefone e fiz o retrato da forma que foi possível. O importante era congelar aquele instante de tempo.
A foto não é nem de longe uma obra de arte. A luz não está boa. E o enquadramento passa longe do aceitável. Então, por que raios eu gosto tanto dessa fotografia? No meu entendimento, as bonecas representam doçura e ternura. Os kimonos, força e robustez. A imagem combate à infeliz ideia de que jiu-jitsu é coisa para meninos e meninas devem brincar de boneca. Ela leva à reflexão. Meninas podem ser, ao mesmo tempo, doces e fortes, se assim quiserem, pois tais características não são opostas.
Minha filha ama ir à academia. Em um ano, nunca pediu para faltar. Quando colocada diante de outras opções, como visitar os primos, dormir na casa da avó ou passear no shopping – programas que ela ama – sempre escolheu ir treinar. E apesar de lutar jiu-jitsu e ser extremamente competitiva, não conheço menina mais doce. Minha mulher até a chama de docinho por causa do jeito meigo. Vaidosa por natureza, adora roupas com lacinhos e brilhantes. Mesmo tão pequena, exige passar maquiagem. Sempre leva na bolsinha um batom. A brincadeira preferida dela é arrumar as bonecas, a quem chama de filhas e filhos. Dá banho, comida, conta historinhas, leva para passear e coloca para dormir (calma, não me refiro aqui a um estrangulamento rs).
Incentivem suas filhas
Papais e mamães, se vocês ainda têm dúvidas, posso garantir que o jiu-jitsu não vai fazer com que suas filhas deixem de ser meninas. O máximo que vai acontecer é que elas serão meninas capazes de se defender e, se necessário for, aplicar uma queda ou uma chave de braço. Piadas à parte, há um ano praticando jiu-jitsu e judô, minha filha nunca brigou. Ela é um docinho e, ao mesmo tempo, demonstra autoconfiança quando está com outras crianças, se impõe caso as brincadeiras lhe incomodem e não tem medo em dizer o que deseja.
Atualmente, ela participa de uma turma de jiu-jitsu recém formada. E, ao que parece, muitos pais de meninas têm percebido os benefícios que arte suave gera. Dos cinco alunos matriculados até agora, três são meninas. Pais e mães, não tenham receio em permitir a suas garotinhas praticarem jiu-jitsu. Se elas gostarem, incentivem. Vocês estarão ajudando-as a se desenvolverem de forma saudável e equilibrada, além de proporcionarem momentos de diversão. Jiu-jitsu é evolução. E o mundo está evoluindo!