A arte nem sempre suave de ensinar jiu-jítsu para crianças

Esse texto serve de alerta a quem tem planos de ser instrutor ou professor. Aos que já se dedicam à nobre missão, a narrativa que segue vai lembrá-los episódios que vivenciaram. Vamos tratar de algo mais difícil que sair dos 100 kg do mestrão. Mais complexo que fazer uma raspagem partindo da posição de De La Riva invertida girando por baixo e saindo nas costas. Mais assustador que pegar o Rodolfo Vieira na primeira luta de um campeonato. Vamos falar sobre dar aulas para crianças.

Se você digitar “jiu-jítsu kids” ou aulas de “jiu-jítsu para crianças” no Youtube, verá vídeos de encher olhos e acalentar corações. Meninos e meninas felizes, ouvindo atentamente instruções e tentando imitar posições com seus corpinhos desajeitados. Mas nem sempre a grama é verde e o sol brilha. Há dias de tempestade. Sabe a menininha doce e comportada? Pode se tornar um furacão capaz de abalar a estrutura interna de qualquer professor. A academia inteira treme. E há dias em que ela não está sozinha.

Acompanho minha filha a treinos de jiu-jítsu e judô há um ano. Constatei que nossos anjinhos podem ser terríveis. Presenciei ataques histéricos de choro, pirraças, birras e até simulações de lesões dignas de um prêmio Oscar. Não é cotidiano, mas acontece.

Pedrinho, o furioso!

Com três anos e meio, Pedrinho era o menor. Além do professor, a turma de Judô contava com uma auxiliar. Percebi no Pedrinho um ar aborrecido naquele dia. Mauro, um aluno de 9 anos, mostrou ao professor um sangramento no pé. Havia se machucado dias atrás enquanto subia numa árvore.  Uma casquinha se formou, mas se rompeu durante o treino. O professor pediu que fosse ao banheiro se limpar.

Pedrinho mostrou o pé, disse que também estava sangrando e iria ao banheiro. Mas não tinha nada ali. O professor até achou graça, mas não o deixou sair. O garotinho estava determinado. Saiu do tatame como se fosse uma flecha. Encontrou a porta da sala fechada e se transformou.

Parecia possuído. Esmurrou e chutou a porta desesperadamente. Chorou e gritou como se sob tortura estivesse. Foram 15 minutos intermináveis. Impossível saber de onde tirou tanto fôlego. Coube a assistente administrar o fenômeno. Ela permaneceu o tempo todo ao lado do menino para evitar que se machucasse. Mas não cedeu à birra. Pedrinho se viu obrigado a obedecer às regras.

Nanda e Hiran, os indignados!

Nanda tem 8 anos. Hiran, 11. Ambos resolveram perturbar a aula no mesmo dia. Nanda foi a primeira. Recusou-se a fazer o aquecimento. Para piorar, passou a beliscar outra menina. Mesmo advertida, continuou. O professor mandou que se sentasse encostada à parede. Em vez de obedecer, se indignou. Sentiu-se a mais injustiçada do cosmos. Chorou e reclamou. Reclamou e chorou.

– Nanda, você vai ficar fora por dez minutos – disse o professor.

A menina se indignou mais ainda. Desafiou o professor e voltou à formação. Ele foi enérgico. Mandou ela se retirar da aula e esperar a mãe sentada fora do tatame. O choro aumentou!

O pior foi que Hiran também queria confusão. O professor pediu que as crianças fizessem fila para pular corda. Quem pulasse mais vezes ganharia o desafio. Hiran estava indo bem até que a corda tocou em seu pé. Ele não aceitou a derrota. Afirmou que o erro foi do professor. Outro ataque de indignação! O pré-adolescente seguiu o mesmo roteiro de Nanda. Também foi obrigado a ficar fora do tatame. Ao final da aula, a dupla foi surpreendida. Era dia de graduação.

– Nanda e Hiran, vocês seriam graduados hoje. Mas jiu-jítsu também é disciplina e respeito. E vocês estão se comportando muito mal – decretou o mestre.

A duplinha se comportou bem nas aulas seguintes. Ao final de uma delas, o professor explicou que eles haviam mudado o comportamento e por isso também mereciam seus dentinhos nas faixas. Os olhos dos dois brilharam!

Risadinha, o indiferente!

Quando comecei a ver os treinos, ele já os freqüentava. O professor, um senhor de sessenta anos, 26 dedicados a ensinar jiu-jítsu, o chamava de Risadinha. O professor tinha o hábito de colocar apelidos carinhosos nos alunos.

Não entendi direito o apelido. Risadinha era meio apático. Bem diferente do irmão mais velho, de 8 anos, um casquinha grossa que, além de jiu-jítsu, treina judô e taekwondo. O pai me contou que seu filho mais velho foi diagnosticado com TDHA. Tomou medicamentos controlados por dois anos. Quando o efeito do remédio passava, tinha crises severas. Alguém recomendou ao pai a prática de artes marciais. Dois anos depois, o menino não tomava nenhum medicamento, tornou-se sociável e bom aluno. O Risadinha passou a freqüentar o treino de jiu-jítsu acompanhando o irmão casca grossa

Mas Risadinha parecia não ligar para o treino. Em determinado dia, entrou em formação se arrastando. Durante a aula, disse que o kimono incomodava e se despiu. Ainda bem que usava bermuda e camiseta por baixo. Cinco minutos depois, começou a chorar. Disse que não queria ser diferente e pediu para vestir o kimono outra vez. Não demonstrava nenhum interesse na aula, nos colegas, em nada. O velho mestre, sempre calmo, levou tudo na boa. Ao final do treino, chamou o Risadinha e pediu um beijo e um abraço. Inesperadamente, recebeu o afago com muito entusiasmo. Apesar da apatia, o garotinho seguia firme nos treinos.

Teria outros exemplos e histórias para contar. Mas prefiro encerrar com a cena do abraço entre o Risadinha e o professor. Creio que agradecimentos sinceros e singelos como esse superem qualquer adversidade. Parabéns a todos os mestres por dedicarem tempo a ensinar às crianças os segredos da arte suave. Elas também estão aprendendo a controlar seus sentimentos e frustrações.

Por último, aproveitem a oportunidade para compartilhar suas experiências nos comentários. Vocês já enfrentaram dificuldades nas aulas para crianças?

Observação: optamos por mudar os nomes dos personagens das histórias para não expor as crianças.

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