Qual a função das federações?

Você que está iniciando no jiu-jitsu ou que já está na arte suave há algumas primaveras, já deve ter passado por este questionamento em algum momento. Talvez um comentário de um amigo mais antigo no treino, que precisou juntar um dinheiro para disputar um campeonato em outro estado, ou até, presenciar um atleta menos graduado puxando treinos, já deve ter causado algumas inquietações em suas mentes. Do tipo, o título do nosso texto.

O esporte, em todo mundo, sofreu uma mudança radical ao mesmo tempo que nossas sociedades começaram um processo de urbanização e industrialização, mais precisamente, Inglaterra, século XVIII. Os jogos populares, que faziam a felicidade dos trabalhadores em datas comemorativas, começou a ser esportivizado, ou, regulado por algumas instituições. Assim como a música, a dança e outras manifestações populares, quando atingiram as classes sociais dominantes. Era papel dessas instituições, estabelecer regras, metas ou recordes, igual algumas indústrias já faziam no período.

Ou seja, o esporte incorporou toda a forma que a sociedade se baseia. E, me desculpem os apaixonados pelo sistema, mas, quando ele é tratado dessa forma, tudo aquilo que é caro para o ser humano (a felicidade, o bem estar, confraternizar com os colegas, esforço pessoal, pensar e agir) se torna um produto.

Se tratando do jiu-jitsu, quantas federações você conhece? Percebeu alguma regra adotada em uma federação e não em outra? Diferenças em premiações entre homens e mulheres e critérios estabelecidos?

Podemos dizer que as federações são instituições privadas que promovem competições, premiações nos seus eventos, cursos de regras, e são fiscalizadas por conselhos regionais de Educação Física, por se tratar de uma atividade com objetivos de performance. Ajudam na propagação/divulgação do esporte, que é apenas uma das manifestações da arte marcial jiu-jitsu. E se você quiser participar desses eventos realizados por algumas destas federações, precisa se enquadrar nos requisitos solicitados, como pagamento de filiação, entrega de atestados ou outros documentos.

Se é uma instituição que regula apenas a parte competitiva, ou o esporte, então quem fiscaliza os professores ou monitores que dão aula nas academias? Como já falei no parágrafo anterior, a prática esportiva é apenas uma das manifestações ou forma que a arte marcial incorporou diante do interesse de um grupo. Há uma polêmica atual sobre o conselho de Educação Física fiscalizar professores de artes marciais, dança, capoeira, Yoga. Na página do CONFEF, Conselho Federal de Educação Física (última visualização em 02/10/2017), foi publicado uma nota explicativa a respeito de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) impedindo que o CREF 4/SP exija registro de profissionais que atuam com artes marciais. O conselho diz que deixará de fiscalizar apenas na região onde foi determinada a decisão.

Diversos professores entraram com ações judiciais a respeito da fiscalização do Conselho de Educação Física nas atividades artísticas, em todo país. E numa decisão do STJ/RS ficou constatado que não há violações na atuação dos profissionais de artes marciais (Karatê, Jiu-jitsu, Judô, Kickboxing, Capoeira), pois, a lei que regula quem são os profissionais de Educação Física (9.696/1998) não diz quais são os profissionais de Educação Física, e sim, quais são as atribuições destes. Sem esquecer que está expresso no artigo 22 da Constituição Federal, inciso XVI que, compete à união legislar sobre a organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício das profissões, já que não fica claro na lei 9.696/98, que professores de jiu-jitsu são Educadores Físicos.

É um risco deixar que pessoas que não possuam experiência no jiu-jitsu ministrem aulas, por se tratar de uma luta que trabalha com torções e luxações de membros inferiores e superiores. Porém, as instituições de ensino superior não estão adaptadas a formar tais profissionais capacitados à especificidade de cada modalidade. O monitor ou professor de jiu-jitsu tem que estar devidamente acompanhado por um graduado faixa preta. Desconsiderar o processo de formação dos graduados em artes marciais, que é devidamente realizado há anos por professores faixa preta, também é muito indelicado. Podemos também constatar nas páginas de algumas federações (FIJJD e CBJJ) que estas fiscalizações não estão sob suas responsabilidades.

Durante o tempo que estou no jiu-jitsu já participei de alguns eventos, tanto como competidor, como coordenador de área, árbitro, mesário, espectador, técnico, e posso colocar diversos pontos positivos, como: excelente organização de alguns eventos, o cumprimento dos calendários previstos, a promoção desses eventos em cidades desassistidas por políticas públicas de Esporte e Lazer. Todavia, me compadeço da luta de diversos atletas que precisam se locomover longos trajetos para participar de um ranking dessas instituições. Atletas que se desdobram em rifas e caminhadas de porta em porta, na busca pela realização de seus sonhos.

Ao mesmo tempo que aconselho sobre a realidade, deixo para ela a responsabilidade de se encarregar de despertar ou não estes esforçados sonhadores. Estes atletas me questionam sobre a função dessas instituições, sobre suas responsabilidades sociais. Solicitam um mínimo retorno de tanto investimento feito durante a jornada, como alguns projetos sociais.

O que posso deixar como lição é se aprofundar no tema, organizar-se, enquanto atletas no mesmo ideal, produzir campanhas para chamar a atenção das grandes organizações de eventos e exclusivamente, cobrar do estado os seus direitos previstos no artigo 217 da Constituição Federal (“é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais”). Sofremos recentemente uma redução de 87% no orçamento previsto para o Ministério dos Esportes. Poderiam ser bolsas de incentivo ou inserção do jiu-jitsu nas escolas.

Assim como os jogos populares se transformaram em esportes, diante do interesse de um determinado grupo, é possível que se alcance um diálogo ou transformação desse cenário, se organizando, ou melhor, como numa perfeita ironia, LUTANDO! Oss!

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