Machismo nas lutas: o que estamos fazendo para evitar?

A maré da informação nas redes sociais na penúltima semana de junho trouxe em suas ondas perturbadores sargaços, incômodos, importunos… No centro das polêmicas, mulheres e lutas. Por incrível que pareça, os tão batidos temas problematizados nas mesmas redes sociais, em nossa página ou em outras, preocupadas com o empoderamento feminino (pasmem, meu corretor não identifica a palavra empoderamento), no esporte ou na vida.

Um vídeo aterrorizante, e não se trata de hipervalorização do fato, nem sensacionalismo. Um “mestre” de capoeira durante uma apresentação, suspende a contramestre pelo ombro e dá um beijo no glúteo da moça. Não bastasse o ocorrido, ele ainda deu um chute, após a reação da menina. Aquela velha exploração do corpo da mulher por um indivíduo que possui uma posição importante na atividade. Aquele velho silêncio do público diante de um abuso sexual.

Para provar que ainda existem muitos homo sapiens na nobre arte da capoeira, Mestre Ferradura, em um artigo para a página Capoeira Rio de Janeiro provocou a reflexão para alguns aspectos ocorridos: Violência, sexo e fofoca e, vai sinalizar que alguns elementos de uma “superpolêmica”, destas que viralizam cotidianamente nas redes estão presentes no fato: normalização da violência contra a mulher, normalização da violência na capoeira e normalização da violência discursiva.

Em resumo, a questão histórica da exploração do corpo da mulher, ou melhor, a cultura da dominação em uma de suas apresentações, sem que ninguém interrompa e diga: Isso está errado! A agressão física rompendo as linhas ou os limites da permissividade entre adversários, claro e novamente, sem ninguém que interrompa o ocorrido e explique: Isso está errado! E por fim, a violência nos comentários do vídeo, compartilhado na internet. Como se fazer a mesma coisa que o “mestre” fez, resolvesse o problema. É meio que o “crime perfeito”, como diria o antropólogo Kabengele Munaga (1940): Primeiro é naturalizado (não aconteceu nada grave), Culpabilidade da vítima e por fim criminalização da vítima. Táticas utilizadas no racismo.

Tudo bem, o que isso tem com nossa arte da suavidade? De longe a Capoeira se aproxima do Jiu-jitsu e sua filosofia. Sério? Será? Ambas possuem particularidades semelhantes, diga-se de passagem. Foram desenvolvidas ou aprimoradas em nosso país, possuem ritos e problemas de relações entre os participantes.

Fiz recentemente uma crônica que tratava de alguns fatos que se dão pelos tatames por ai a fora. De pessoas que extrapolam os limites particulares dos indivíduos, principalmente das mulheres. Contudo, o que não aparece muito bem (se não for direcionada a observação) é que, violar o espaço do outro não é perceptível a olho nu. Como diria zizek, um tipo de violência indireta através de trocas de palavras. Aquela que não sangra. Só para não esquecer, é bom observarmos que hoje, alguns tipos de agressões vem empacotadas como “brincadeiras”. Uma estratégia perfeita e de duas vias, onde posso usar ao mesmo tempo o que foi dito, escrito, para ferir o outro, como para me resguardar da defesa dele diante da ofensa sofrida. Nossa amiga e colunista Mayara Munhos foi lá, nas entrelinhas dos tatames, e levantou todos estes acontecimentos que, para alguns, precisam de um direcionamento para se tornar perceptível. Não vamos esperar mais sangrar, né?

Pois bem, uma menina nova na academia ser rejeitada, algumas meninas falarem que treinar com meninos é mais produtivo, porque mulher é fraca, o colega de treino ficar chateado por dar os três tapinhas para uma mulher, o menino dizer que vai treinar com uma menina pra descansar, o colega machucar a colega por ela ser “dura” na luta pode tirar a noite de uma parceira de treino sem que, a brisa da insônia ou do desprazer passe perto do nosso sono despreocupado. Incomoda, perturba, está afastando mulheres do treino. Da mesma forma que comentar de forma pejorativa sobre seu corpo, relações e costumes. Para algumas meninas, aquele esporte que foi escolhido para ser prazeroso está reproduzindo tudo que elas viram, a vida toda, em suas casas, trabalhos e até mesmo com seus relacionamentos amorosos. E já escrevi uma crônica abordando sobre.

Voltando ao texto do mestre Ferradura, um outro aspecto importantíssimo me chamou a atenção, sem falar que já é uma solicitação de alguns grupos feministas. Temos homens preocupados com as mulheres e engajados nesse debate. E trago esta questão me colocando ao centro dela: O que nós homens que, visamos o empoderamento feminino estamos fazendo para contribuir? Como estamos colaborando, na prática? Estamos observando o comentário preconceituoso do nosso parceiro de treino e intervindo? Estamos fazendo rolas de descanso com nossas colegas? Nossas preocupações extrapolam as redes sociais? Não podemos guardar apenas no discurso esta luta, ela precisa ser praticada dentro e fora dos tatames. E não será fácil. Percebo que há uma resistência. Não estamos acostumados a conversarmos sobre algumas questões no treino, por receio da polêmica, como no velho adágio “política não se discute”. É um preço a ser pago se quisermos realmente construirmos relações diferentes.

As mulheres já sinalizaram seus problemas, basta apenas procurarmos melhores soluções para resolver esta situação, e é problema nosso sim! Filosofamos demais sobre nossa arte ser a melhor, que nos ensina a superar vários imprevistos. Não adianta fazer de conta que não tem sujeira no quintal. Não é “mimimi”, é fato! Daqui a alguns anos, se discutirá a luta das mulheres nas escolas, nas aulas de História ou em conversas. E assim como nos indignamos com o que aconteceu no holocausto, assim como pensamos “como as pessoas não faziam nada, diante de tal abuso?”. Irão questionar a mesma coisa. Resta saber em que lado da história você vai estar. Oss.

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